No Dia do Mestre, conheça a professora que criou fórmulas para ensinar cálculos à aluna cega | Acontece na Uniube

No Dia do Mestre, conheça a professora que criou fórmulas para ensinar cálculos à aluna cega

14 de outubro de 19
1 / 2
2 / 2

Acostumada a resolver cálculos com frequência, a advogada e professora universitária, Jussara Melo Pedrosa, 57 anos, viu-se diante de um problema sem fórmulas prontas para solucioná-lo. Ela ministrava a disciplina de Direito do Trabalho, na Universidade de Uberaba (Uniube), quando percebeu que uma das alunas tinha deficiência visual. A reação da professora, à primeira vista, foi de apreensão e questionamento interno. Como repassar o conteúdo para uma estudante que não enxergava?


Diante das limitações de equipamentos para deficientes visuais, à época, e preocupada com o desempenho da aluna, a professora disse que não cobraria o conteúdo de cálculos trabalhista dela. A resposta da estudante surpreendeu Jussara. “Ela me disse que estava na universidade para aprender como qualquer outro aluno. Confesso que foi ‘um tapa de pelica’. Fui para casa e passei a noite inteira pensando em como ensiná-la”, lembra. Mas como boa professora de cálculos, Jussara jamais admitiria um problema sem solução.


“Comecei a ensiná-la por meio de fórmulas matemáticas para que pudesse suprir suas necessidades. Ensinava as operações com números inteiros, tendo em vista, na época, não ter calculadora em braile nem mesmo sequer os meios eletrônicos que temos hoje”, conta. Assim, Jussara foi construindo fórmulas de acordo com cada conteúdo ministrado. “Aplicando a regra passo a passo, era possível calcular um determinado direito que o empregado fazia jus em receber”, diz.


A aluna é Ana Teresa Vitor, hoje com 36 anos. Ela perdeu a visão aos 16, mas nunca fez da deficiência uma barreira para não estudar. “Quando eu perdi a visão não desisti em nenhum momento de continuar lutando para conseguir aquilo que sempre desejei. Lógico, os obstáculos foram muitos e as dificuldades foram imensas, até porque, na época, não existia a tecnologia de hoje. Começou a surgir quando eu já estava terminando a universidade, como computadores com leitores de tela, celulares com leitor de voz e gravador digital”, diz.


Mesmo assim, Ana Teresa não quis ser tratada diferente, pelo contrário. “Eu não queria aprender só a teoria, porque na minha vida aqui fora, depois da universidade, eu não iria precisar só da teoria. Em um concurso, por exemplo, eu iria precisar da prática. Então, eu disse para a professora que não aceitava que ela me tratasse de forma diferente. Eu falei: quero aprender, quero que a senhora me ensine, seja de que forma for. Eu quero fazer as provas como os meus colegas, ter o mesmo conhecimento e ser cobrada do mesmo jeito. Lá fora a vida não vai me dar esse tratamento diferenciado”, conta.


A exigência da aluna e a dedicação da professora deram certo. Ana Teresa concluiu o curso Direito. Atualmente, ela trabalha no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), exercendo o cargo de Oficial de Apoio Judicial, no Fórum Melo Viana, em Uberaba (MG). “Não tirei a OAB devido exercer um cargo público que me impede”, diz.


Já as fórmulas criadas por Jussara para ensinar Ana Teresa viraram apostila e são aplicadas, ainda hoje, em sala de aula. “Quando comecei a criar as fórmulas, passei a ensinar todos os alunos por meio delas”, conta. A professora publicará agora um livro com a parte teórica e prática dos ensinamentos de cálculos com as fórmulas. “Com a reforma trabalhista toda petição inicial deverá indicar o valor dos pedidos. Creio que o livro será útil aos colegas para aprender o aterrorizante cálculo trabalhista”, afirma.


A inclusão no ensino superior


O desafio de inclusão de pessoas com deficiência na sociedade passa também pelas universidades. Dados do último censo do Ministério da Educação (MEC) indicam que as instituições de ensino estão cada vez mais inclusivas. De 2012 a 2017, o número de matrículas de pessoas com limitações físicas e intelectuais em Minas Gerais cresceu quase 70%. O índice é ainda maior se comparado à média nacional, de 41%, no mesmo período.


Mas na opinião de Ana Teresa, a inclusão de pessoas com deficiência nas universidades ainda é um caminho longo que precisa ser percorrido. “Cada deficiência tem limitações, tem necessidades específicas. Mas a partir do momento que se respeita a limitação de cada um e é olhado para as necessidades específicas de cada pessoa para que haja adaptações, todo nós temos condições perfeitamente de cursar um ensino superior, fazer uma pós-graduação, mestrado, doutorado, seja o que for. Temos total condição de estudar e trabalhar. Existem, sim, deficientes que não têm condições de cursar uma universidade, de ser inserido no mercado de trabalho, mas existem muitos outros que têm”, afirma.


Para a psicóloga, pedagoga e professora do Programa de Pós-graduação em Educação - Mestrado e Doutorado da Uniube, Vânia Maria de Oliveira Vieira, a inclusão de pessoas com deficiência nas universidades tem sido discutida. “Embora todo educando tenha direito à educação, independentemente de suas necessidades educacionais ou de eventuais limitações, o processo de inclusão no Ensino Superior tem sido muito discutido, principalmente, pelo fato de a diversidade ser considerada, ainda, uma questão ampla e complexa na sociedade”.


Nesse sentido, segundo Vânia, o exercício da docência universitária deve primar por um diálogo que compreenda as diferenças ou necessidades individuais, livre de preconceitos e voltado para a promoção e inserção dos educandos, tanto na universidade quanto na sociedade.


Ser docente


Há 30 anos no magistério, Jussara não teme dizer que ama a missão de ensinar. “Meu compromisso foi, é e será com cada um de meus alunos, pois tive a oportunidade de aprender com as experiências deles e, principalmente, de poder participar do aprendizado profissional de cada um, numa verdadeira simbiose, desejando um futuro mais que promissor a todos”, diz orgulhosa. Para quem está começando na carreira de docente, Jussara afirma: “o professor existe em razão de seus alunos. O amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro degrau para se chegar ao conhecimento”, conclui.