Alma
se lava é com sangue
Chapadão
do Bugre, o segundo romance de Palmério,
foi inspirado em uma chacina ocorrida em Passos
(MG)
Chapadão
do Bugre, interior de Minas, início do
século XX, época de coronéis
e jagunços, de mandar quem pode e de obedecer
quem tem juízo, de lavar a alma com sangue.
É nesse clima que se passa a história
de José de Arimatéia, sujeito bom,
de pouca prosa, muito reservado, dentista ambulante,
enrabichado por Maria do Carmo.
Os
dois se conheceram quando ela foi até
o consultório dele. Aos poucos, foi crescendo
o sentimento. Mas povo da roça, tudo
sistemático, com muito custo, só
pegar na mão; no mais, tem que esperar
o casório.
Uma
época em que também se devia muito
favor, outra questão de honra. Sem pais,
sozinho no mundo, José tinha uma profunda
admiração, quase uma obrigação
mesmo para com seu Valico, que o acolheu e pediu
para que lhe ensinassem o ofício de dentista.
Seu Valico considerava José como um filho,
então, nada como mostrar gratidão
convidando-o para padrinho, abençoar
o casamento.
E
em tempo de chuva, estrada de terra, atoleiro
na certa! Mas José de Arimatéia
resolveu, assim mesmo, ir à casa de seu
Valico, enfrentando chuva forte, vento frio,
escuridão do mato, apenas iluminado pelos
vagalumes. É mais não teve jeito
não, sô! O caminho virou pura lama
e nem mesmo a besta inseparável de José,
a Camurça, conseguiu vencer o temporal.
Animal bom aquele: companheiro, fiel; que deu
trabalho no começo, mas hoje dava muita
alegria ao dentista.
Pois
é, mais nem mesmo a Camurça deu
conta do recado e o jeito foi voltar pra trás.
E de súbito, bateu aquela saudade danada
de do Carmo e uma vontade doida de vê-la.
E ele foi, já que tinha que voltar mesmo,
podia dar uma passadinha, chamar na janela,
só um pouquinho...
E
foi a partir daí que desandou tudo e
a tragédia aconteceu. Não é
que José descobriu que a do Carmo, moça
prendada, dedicada, uma santa, não era
nada daquilo? José pegou a donzela de
futrico com Inacinho, filho dos padrinhos dela.
A raiva subiu a cabeça de José
que, sem pensar, matou o sem vergonha a machadadas
e, depois, saiu a procura de Maria do Carmo,
para fazer o mesmo com ela! Mas sem sucesso,
pois ela havia se embrenhado pelo matagal a
fora, e como ela conhecia muito bem aquele lugar,
José largou mão de achá-la
e caiu no mundo, com sua besta, pelas entranhas
daquele sertão...
Então
começou, de fato, o desenrolar da história,
uma sucessão de gente querendo se vingar,
mandando peão atrás de José,
seguir os passos dos companheiros dele, pra
ver se descobriam onde ele tinha se escondido.
E
era assim mesmo, naquele tempo, quando ocorria
um fato como esse: a família do morto
tinha que se vingar, correndo o mundo inteiro,
se fosse preciso, até achar o assassino
e dar o troco, na mesma moeda: fazer justiça.
Mas
isso virava uma encrenca sem fim. A cada acontecimento,
um queria honrar o nome da família, algo
muito tradicional, importante mesmo praquela
gente. E todo mundo ficava sabendo, cidadezinha
pequena, o boca-a-boca corre ligeiro. E num
instante, os comentários já estavam
nas rodas de conversa.
Então,
o pai do Inacinho, seu Tonho Inácio,
resolveu se vingar de uma maneira que José
não esperava: matando seu Valico. Isso
foi uma facada no coração de Arimatéia,
que jurou não descansar enquanto não
pegasse seu Tonho Inácio.
Pois
bem, a perseguição a José
continuou, mas ele conseguiu mandar Tonho para
debaixo da terra. E a onda de matança
se arrastou por mais algum tempo na cidadezinha
do Chapadão.
E
assim se faz essa aventura: num lugar marcado
pela violência e pela brutalidade de homens
que se julgam donos de tudo, jogando uns contra
os outros, provocando a raiva e a destruição.
Essa obra é baseada num episódio
verídico, ocorrido na cidade de Passos,
interior de Minas, e que conseguiu passar de
maneira emocionante a trama vivida no local,
com personagens marcantes, de espírito,
com uma descrição impecável
e uma linguagem rica e fiel às raízes
daquele tempo.
Graziela
Christina de Oliveira |