Linguagem
e ficção em Vila dos
Confins
Guido
Bilharinho
O
ano de 1956 é relevante para a
ficção brasileira. Nele
são lançadas, entre outras
obras, Corpo de Baile e Grande
Sertão: Veredas, ambas de Guimarães
Rosa, A Lua Vem da Ásia,
de Campos de Carvalho, e Vila dos Confins,
de Mário Palmério. É
o ano também de Mocidade no
Rio e Primeira Viagem à
Europa, terceiro volume das memórias
de Gilberto Amado, de A Técnica
do Romance em Marcel Proust, ensaio
crítico de Álvaro Lins,
e de A Vida Literária no Brasil
- 1900, ensaio de Brito Broca, este
merecendo restrição apenas
pela impropriedade e pretensão
do título, já que seu levantamento
limita-se ao Rio de Janeiro.
No
romance de Mário Palmério
(Monte Carmelo/Triângulo, 1916
Uberaba/Triângulo, 1996), impõe-se,
primeiramente, estabelecer as relações
entre o escritor e o ficcionista. Entre
o manejador da língua e contador
da estória e o idealizador do assunto
e construtor do enredo.
Apesar
da boa urdidura do tema central
campanha eleitoral e realização
de eleições o escritor
suplanta o ficcionista nessa obra, o que
não acontece em Chapadão
do Bugre (1965), do mesmo Autor, onde
ocorre equilíbrio entre um e outro.
O
prosador revela-se com pleno domínio
do idioma no brilho que imprime às
narrações de caçadas,
de pescarias, do meio ambiente, de certas
personagens e de aspectos típicos
do sertão. Ora, a perfeição
da narrativa da caçada à
onça-preta, desde o rastreamento
até o clímax do confronto.
Ora, a linguagem dúctil, amolgável,
eivada de expressões regionais,
nas descrições de pescarias,
particularmente de uma ocorrida no Rio
Urucanã. Ora, as presenças
do rio constante no romance
do caboclo, do minerador, do sertanejo.
O
desempenho do escritor, pois, é
marcante na multivariedade de descrições
e narrações vazadas em linguagem
de grande plasticidade. Já o ficcionista
procura, armando a intriga, relatar as
vicissitudes de campanha eleitoral em
região e época definidas.
Na
condução do fio do romance
cresce em importância o papel da
dialogação que, escassa
a princípio, avoluma-se e desdobra-se
da metade do livro em diante, quando a
ação intensifica-se com
a aproximação das eleições.
A
trama romanesca desenvolve-se desde os
fatos e peripécias próprias
de campanha eleitoral, transitando por
hábeis intrigas, insuflamento de
velhos ódios, problemas pessoais
do candidato, obstábulos derivados
da precariedade das vias de comunicação,
desaguando no acirramento dos ânimos
às vésperas do pleito, em
simulações, artimanhas,
fraudes, compra de votos e manipulação
de eleitores.
Em
suma, radiografia de fase ainda não
superada em muitos de seus aspectos, conquanto
já minimizada pelo lento e tímido
aperfeiçoamento de legislação
eleitoral ainda profundamente anti-democrática,
já que permissível do uso
e abuso de recursos financeiros por parte
de grupos econômicos locais, nacionais
e multinacionais, conforme comprovam os
gastos da maioria absoluta dos candidatos
e as confissões de Leo Cochrane,
ex-Presidente da Federação
dos Bancos (revista Veja, São
Paulo, 1º abril 1992), de que a referida
Federação levantou 30 (trinta)
milhões de dólares para
financiamento de campanhas nas eleições
de 1990, e do então Deputado Federal
Ricardo Fiúza e Ministro da Ação
Social no Governo Color (Folha de São
Paulo, 31 março 1992), de que
recebeu 100 (cem) mil dólares da
Federação na oportunidade.
Necessita-se, pois, urgentemente, tanto
de se proibir contribuições
eleitorais, como de se criar o fundo multipartidário
destinado a custear as campanhas eleitorais.
Contudo,
partindo de realidade observada e vivenciada
e de temática elegida, como, aliás,
é próprio do gênero,
o Autor não se deixa enredar nas
malhas do documental e muito menos do
meramente testemunhal, para construir,
em cima disso, obra ficcional marcada,
como já salientado, por linguagem
da rara flexibilidade.
Retirado
do livro Romances brasileiros - uma leitura
direcionada, de Guido Bilharinho
Referências
bibliográfica
BILHARINHO,
Guido. Linguagem e ficção
em Vila dos Confins.
Romances brasileiros: uma leitura
direcionada. Uberaba: Instituto
Triangulino de Cultura, 1998. p. 165-167.
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