"O
plantador de mamoeiros"
Por
Hugo Prata
Foi lá pelos idos de 1958.
Mário Palmério estava
em plena campanha buscando sua reeleição
para a Câmara Federal.
A
saída fora à meia-noite
para Medeiros, num velho jipe que
ajuntava toda a poeira da estrada
e a soltava sobre os passageiros.
Dentro amontoavam-se quatro pessoas,
alguns peso-pesados como Ivo Monti,
Jorge Furtado e o professor Palmério.
Espremido num canto o Hélio
Angotti. Fóra, frio cortante
e neblina. Dentro, poeira e mais
poeira, tosse, espirros e olhos
lacrimejantes. O dia já pispiava
a clarear quando encontraram uma
vendinha à beira da estrada.
Portas fechadas. Um galo velho,
num pé de laranja-da-terra,
acordou assustado com o tropel e
cantou esganiçado. Acordou
uma cachorrada magra e bernenta,
sacudindo o rabo e sem forças
para latir. Ganiam apenas. A fome
era muita e buzinaram. Bateram palmas.
Bateram na porta e gritaram um "ô
de casa". Lá pela terceira
batida, uma bruxa feia abriu a porta.
Mal-humorada, sem dentes, cabelos
desgrenhados, de camisola e chinelos.
Qui é qui é?
Somos viajantes e estamos de passagem.
Queremos comer alguma coisa e tomar
café.
Num tem dicumê não.
Café só de fedegoso,
mas num tem fogo aceso. Armoço
só mais tarde. Tomem num
é hora, né.
Minha senhora, estamos com muita
fome. Arranje qualquer coisa para
nós comermos.
Quarquer coisa num tem tomem não.
Mais aí na mesa tem um mamão
madurim. Pode cumê.
Beleza.
Mamãozão, daqueles
grandes, e riscado a faca para perder
o leite. Verdolengo por fora, mas
madurinho e até meio passado.
Coisa prá meia arroba. Foi
partir e cair de boca, engulindo
polpa e sementes. Logo apareceram
galinhas e leitões comendo
as cascas.
Não
sobrou nadinha. A velha megera a
tudo assistia. Encostada à
parede, com vestido reto, sem botões
e mostrando seios encarquilhados
e murchos. Não quis cobrar
pela fruta. Mamão é
trem a-tôa.
Chegando
a Medeiros, procuraram a casa do
cabo eleitoral da região.
Já eram esperados, e os companheiros
do partido estavam reunidos. Depois
do bate-papo, o almoço. Com
a clássica e terrível
maionese, suã de porco com
arroz, torresmo e cerveja quente.
Após o café aguado
e morno, nova reunião com
companheiros recém-chegados.
O
nosso deputado suava frio. Sua barriga
roncava. Mamão passado, maionese,
suã e torresmo eram dose
para elefante. Disfarçadamente,
perguntou ao dono da casa onde era
o banheiro.
"Que
é isto, deputado? Aqui é
casa de pobre. Honesta, mas pobre.
Se o doutor quiser, vá saindo
de fininho. No fundo do quintal
tem um bananal. Se desaperte lá."
Ordem dada, ordem cumprida. E foi
lá que o nosso combativo
deputado aliviou seus intestinos.
Ruidosamente.
Anos
depois, passando novamente por Medeiros,
Palmério quis rever os velhos
e fiéis companheiros de campanha.
Estavam quase todos lá. A
mesma casa da reunião. Lembrou-se
então da moita de babaneiras
e desceu para revê-la. Também
estava lá. A única
diferença era um robusto
mamoeiro, pejado de frutos enormes
e brilhantes. Junto a uma placa
com uns dizeres. Aproximou-se, curioso,
e leu:
"Mamoeiro
plantado pelo Excelentíssimo
Deputado Mário Palmério,
em 20 de julho de 1958."
Retirado
do livro Causos: "a senhora
dona galinha e seus amores", de
Hugo Prata
Referência
bibliográfica
PRATA, Hugo. Causos: "a senhora
dona galinha e seus amores". Uberaba:
Martins, 199?. p. 19-20.
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