Diário do Congresso Nacional

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03/06/53 04/06/53 Leitura e comentários sôbre artigo do Professor Albano de Morais, relativamente à mudança da Capital da República 4996

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Sr. Presidente, já instituída, nesta Casa, a Comissão de Estudos da Mudança da Capital, êste problema da interiorização da Capital Federal — por muitos justamente considerado como o problema n.° 1 do Brasil — estará em breve agitando novamente o Congresso Nacional.

Acabo de receber, da cidade de Uberlândia, interessante artigo do professor Albano de Morais — jornalista de mérito e homem que realmente conhece os problemas no interior brasileiro — trabalho intitulado "Um lindo sonho de uma noite de verão a mudança da Capital da República para o deserto goiano".

Vou passar a ler, Sr. Presidente, o artigo do Professor Albano de Morais, o qual, publicado nos anais da Casa, servirá, oportunamente, de valioso subsídio aos estudiosos do assunto.

É o seguinte:

"Os nossos amigos goianos sonham ha mais de 50 anos com a mudança da Capital da República para o interior do seu Estado. Na primeira constituição republicana, de 1891, ficou reservada, naquela unidade federativa, uma área para o futuro Distrito Federal tendo logo depois uma comissão, denominada Comissão Cruls, estudado a região norte do Estado e delimitado dentro dela um quadrilátero destinado ao fim preceituado pelo nosso primeiro estatuto republicano.

Govêrno nenhum teve coragem entretanto de promover a mudança da capital.

Em 1922, por ocasião das comemorações do 1° centenário da independência política do Brasil, o presidente Epitácio Pessoa mandou que fosse colocado no centro do quadrilatero e inaugurado festivamente um marco que efetivasse a posse definitiva da área para a implantação da nova capital. Na ocasião houve grande esperança da medida constitucional ser posta em pratica e os negocistas de terrenos promoveram imediatamente loteamentos nas proximidades do quadrilatero e talvez até mesmo dentro dêle e mandaram vender lotes por êsse Brasil afóra que muita gente comprou caindo num verdadeiro conto do vigário. Passado Epitácio a idéia da mudança da capital caiu em esquecimento. Correm os anos. Vem o período ditatorial de Getúlio Vargas e depois deste a nova constituição, a constituição vigente. Os constituintes de 46 lembraram-se de novo da necessidade da interiorisação da capital federal. E, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias inseriram um artigo nesse sentido, o artigo 4, assim redigido: - "A Capital da União será transferida para o planalto central do país". — Houve na ocasião uma emenda que suscitou muito debate e caiu, determinando que a transferência deveria ser feita para a zona de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A não aceitação dessa emenda teve em mira evitar desde logo a especulação que poderia surgir com negócios de terrenos nesta zona que viriam dificultar depois a desapropriação da área que, por ventura, fôsse escolhida. Os constituintes deixaram sem determinação a zona do futuro distrito federal, dizendo simplesmente que êste deveria localisar-se (sic) no planalto central, em local que uma comissão de técnicos a ser nomeada pelo govêrno deveria então escolher. Os constituintes regeitando (sic) a determinação prévia da zona não aceitaram também o quadrilatero Cruls já anteriormente demarcado porquanto a impraticabilidade da mudança da capital para êsse local estava já exuberantemente aprovada em virtude de por mais de 50 anos ter estado êsse sítio à disposição do governo federal e não ter sido dado nenhum passo no sentido do seu aproveitamento.

Nomeada a comissão de técnicos da qual fazia parte indevidamente, o então Governador de Goiás, Sr. Jerônimo Coimbra Bueno, um trabalho desenfreado começou a ser feito para que a escolha recaísse de novo sôbre o mesmo quadrilatero Cruls ou melhor ainda em suas imediações. Os técnicos comíssionados estudaram cinco ou seis zonas no planalto central, inclusive a zona de Uberlândia e no final, de exclusão em exclusão, restaram apenas duas: aquela visinha (sic) ao quadrilatero, incluindo parte deste e esta nossa incluindo parte do Município de Uberlândia, parte do município de Monte Alegre, todo o município de Tapaciguara (sic), neste Estado e parte do município de Corumbaíba, em Goiás. A preferência manifestada por membros do govêrno era por esta nossa zona: tinha-se quase como certa a sua escolha por reunir elementos e condições jamais encontradas nas outras áreas estudadas que pudessem conduzir o govêrno a promover, imediatamente e com a facilidade a interiorização da capital. A existência de uma cidade como Uberlândia, próxima ao local da nova capital contando com grandes recursos para a execução da grandiosa obra e servindo-lhe de ponto de apôio; a existência de energia elétrica ou fonte de abastecimento desta junto as obras: meios de transportes os mais desenvolvidos — a estrada de ferro Mogiana em Uberlândia, a Paulista em Pôrto Cemitério, a estrada de ferro Goiás, em Araguari, estradas de rodagem em tôdas as direções — um rio imenso e piscoso como o Paranaíba cortando o distrito federal; terras fertilíssimas para a agricultura e pecuária que vêm sendo desenvolvidas de maneira notável ao ponto de ser esta nossa zona, hoje, talvez a maior abastecedora de gêneros alimentícios às grandes populações do Rio, São Paulo e Belo Horizonte: situações topográficas magníficas, enfim uma dádiva do cèu ao Brasil, tudo isso, por uma política vesga, dos dirigentes de Minas, que combateram a idéia da implantação da nova capital no Triângulo e por um trabalho intensíssimo de Goiás que batalhava para que fôsse escolhida, a zona do quadrilatero Curls, foi despresado e na votação final dos membros da Comissão, fomos postos a margem pela contagem desfavorável de 9 votos por 7, incluindo nesse 7 votos que nos foram contrários 2 votos que chamo de "desnitidos" (aproveitando o neologismo criado pelo general Poly Coelho) sendo um, dêste mesmo general que na qualidade de presidente da Comissão há muito vinha se batendo apaixonadamente pelo deserto goiano e outro o do sr. Coimbra Bueno, manifestamente nulo pela sua qualidade de governador de Goiás.

Resultado: embora a representação goiana venha desenvolvendo no Congresso e junto ao govêrno um trabalho imenso para que seja dado início aos serviços de demarcação da área para a localização da futura capital naquele Estado, são decorridos já mais de dois anos da infeliz escolha e nada de positivo até hoje foi feito. É que o govêrno vê a impossibilidade da transferência da capital para aquele longínquo deserto, falto de recursos e não quér lançar-se em uma aventura fadada ao fracasso que resultaria não só em tremendo prejuízo para a Nação como no seu desprestígio interno e externo.

A mudança da capital da república para o "magnífico" deserto goiano não passará pois, para os seus defensores, assim estou certo, senão de "um lindo sonho de uma noite de verão"

Era o que tinha a dizer (Muito bem; muito bem).


DIÁRIO do Congresso Nacional. Sessão: 03/06/53. Publicação: 04/6/53. Assunto: Leitura e comentários sôbre artigo do Professor Albano de Morais, relativamente à mudança da Capital da República. p. 4996. Coluna: 2.