Diário do Congresso Nacional

Sessão Publicação Assunto Página Coluna
17/6/52 18/6/52 Lendo 3 artigos Bispo Uberaba D. Alexandre Gonçalves do Amaral sobre prof. Lucio Bittencourt extinguindo postos fiscais instalados barreiras de alguns municípios 5388

O SR. PRESIDENTE — Vem a mesa e é deferido o seguinte

REQUERIMENTO

Sr. Presidente,

Peço conceder a palavra, como líder de Partido, ao Deputado Mário Palmério, nos têrmos regimentais.

Rio, 17-6-1952. — Vieira Lins — Vice-Líder em exercício — PTB.

O SR. PRESIDENTE — Tem a palavra o Sr. Mário Palmério.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — (lê o seguinte dsicurso (sic)) — Senhor Presidente — Senhores Deputados — Encontra-se em exame, na douta Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, o projeto de autoria do nobre Deputado Lucio Bitencourt, que visa à extinção dos postos fiscais instalados nas barreiras dos municípios de alguns dos Estados da Federação.

Descerá ao Plenário da Câmara, o mencionado projeto, fruto da clarividência e patriotismo do ilustre professor de Direito e uma das figuras mais eminentes desta Casa, dentro em pouco, para receber o pronunciamento dos Senhores Deputados.

É oportuno, por isso mesmo, que tenham, os nobres legisladores desta Câmara, conhecimento dos três momentosos artigos que passarei a ler, em seguida, assinados por uma das mais brilhantes, cultas e ilustres figuras do clero brasileiro, Sua Reverendíssima D. Alexandre Gonçalves do Amaral, Bispo Diocesano de Uberaba.

Já tivemos oportunidade, Senhor Presidente, de, desta mesma tribuna, responsabilizar o Govêrno de Minas Gerais pelos gravíssimos acontecimentos que tiveram lugar nas cidades de Uberaba e de Uberlândia quando da explosão incontida da revolta popular contra a ilegalidade e as violências praticadas pelo fisco daquêle Estado.

O Sr. Lúcio Bitencourt — Permita V. Ex.ª. O Govêrno do Estado têm atribuído, por vezes, êsses movimentos, ao comunismo. É o recurso a que êles sempre se apegam, quando não encontram outra saída, outra explicação mais plausível, mais razoável. V. Ex.ª tem, de fato, tôda a razão. O movimento de Uberaba foi determinado, precisamente, pela voracidade tremenda do fisco mineiro que levou a população daquela cidade à revolta.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Muito Obrigado a V. Ex.ª.

Êsses acontecimentos repercutiram, dolorosamente, por tôda a Nação.

Vem procurando o Govêrno de Minas Gerais, através de ampla e insistente propaganda, paga pelos cofres públicos, provar a "excelência" da malsinada e já famosa Lei 760, cuja promulgação e, sobretudo, cuja execução vem provocando verdadeira onda de revolta em todo o Estado de Minas Gerais.

O testemunho insuspeito do grande Bispo, sua palavra sob todos os títulos respeitabilíssima, seu alto e sereno pronunciamento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão consubstanciados nesta série de artigos publicados pelo Correio Católico, semanário que se edita em Uberaba.

A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento dêsses artigos, lendo-os, meditando sôbre êles, há de reconhecer quão necessária é a medida proposta pelo nobre Deputado Lucio Bitencourt.

Ei-los:

Já ultrapassa o mês a distância que nos separa da realidade triste do "quebra-quebra", em Uberaba.

Os ânimos, si não estão ainda, pelo menos, já devem estar mais serenos.

Propositadamente esperamos esta relativa serenidade dos ânimos para cumprirmos um dever, que, embora árduo, é muito nosso.

Lamentamos, profundamente, que ainda se verifique esta mania, gratuita e destruidora, de se apelidar o Triângulo de "Moscou brasileira".

De quando em vez, um pretenso salvador, deixando as praias da "cidade maravilhosa", vem dar-nos uma lição de organização, declarando-nos, com certa ênfase, que somos uns cegos, que não vemos um exército de mais de 18.000 soldados, cuja maior parte está no Triângulo Mineiro, modernamente armados, prontos a cortar-nos as cabeças, nesta grande "Moscou brasileira". Fundam-se cruzadas que, embora tenham apenas três meses de existência e não possuam ainda estatutos, irão realizar o milagre estupendo da nossa salvação coletiva.

Resumindo os Fatos

E foi precisamente a palavras de autoridade eclesiástica, que tivemos de proferir, naquela noite de 24 de abril, refutando afirmativas inverídicas, ainda que bem intencionadas, que nós levou ao cumprimento de um dever muito duro, sem dúvida, mas irremovível.

Apontamos algumas das muitas e complexas causas do comunismo em nossa pátria. E muito de passagem, muito acidentalmente, incluímos na lista, evidentemente incompleta, destas causas, a seguinte: "Quando se procura dizer que os postos fiscais não são feitos para cobranças de impostos, mas o pobre tem que pagar para entrar com seu franguinho na cidade, isto também é caldo de cultivo para o comunismo".

No dia seguinte, pela manhã, já começavamos a receber visitas dos interessados, procurando convencer-nos de que estávamos mal informado. A coisa não era assim. Até o Exmo. Sr. Secretário das Finanças, Dr. José Maria de Alkmin, se dignou de trazer-nos a sua ilustre visita. Façamos justiça a êle, declarando que jamais S. Ex.ª veiu a Uberaba, sem que nos honrasse com a sua visita tão agradável, quanto simples. Façamos justiça, ainda, a todos os interessados no assunto, proclamando a delicadeza, com que nos falaram, pessoalmente, da qual, todavia, se distanciaram, quando começaram a escrever nos jornais de Minas e do Brasil, à custa, aliás, das finanças públicas.

Pessoalmente falando-lhes, colocámos, com delicadeza, mas com firmeza, a questão, deste modo: Si nos dão explicações, não as pedimos. Não temos a incumbência de colhê-las. E si nos pedem, não as daremos a ninguém, a não ser em tribunais. E para facilitar o trabalho dos ilustres visitantes determinamos que o "Correio Católico", desse o resumo do discurso que fizemos pela estação de rádio local. Publicamos, também, uma parte pequenina da documentação que possuímos. Demos ao "O Diário" uma entrevista sôbre o assunto, em Belo Horizonte.

A Publicidade da Secretaria das Finanças

Prezamos muito o valor da palavra. E quando a palavra é de um Bispo da Santa Igreja, por menorzinha que seja a pessoa humana que profere, deve estar bem fundamentada.

Com a onda de publicações feitas à custa das finanças públicas, pela imprensa, concordamos em parte.

É ótimo que se esclareçam os contribuintes. É bom que se proclamem as benemerências da "lei benfazeja" 760, como alguns a chamam, ou mesmo da "malsinada lei" 760, "lei do arrôcho" como outros preferem batizá-la.

Não entremos no campo dos legisladores. Respeitemos-lhes a esfera de ação.

Foi pena é que não se regulamentasse esta lei, antes da sua execução e as publicações atuais não a preparassem. Somente depois de uma greve, muito bem aproveitada por elementos desordeiros e comunistas, é que surgiram tais publicações esclarecedoras.

Os católicos e os Impostos

Para nós, católicos, o tributo devido ao Estado, é uma decorrência do próprio dógma da comunhão dos santos.

Mais do que as razões de origem econômica, técnica ou científica, possuímos razões de ordem teológica, para defendermos a legitimidade dos impostos, que obrigam em consciência, quando fundamentados em leis justas.

Não queremos discutir êste aspecto da questão, que não nos compete.

O que nos importa é o seguinte: demos um testemunho, fizemos um depoimento. Sem pendores políticos, sem simpatias partidárias, fixamos objetivamente a verdade histórica. Ora, as publicações oficiais, feitas em Belo Horizonte, como aqui, chamam falsas e tendenciosas estas notícias.

Examinando a Lei 760

A "Declaração" feita por aqui, que foi escrita por quem não a assinou e foi assinada pelos que não a escreveram (já tiramos isto a limpo e voltaremos ao assunto), ultrapassa as raias da insolência.

Em realidade, "Deus, o Supremo Juiz das ações humanas, esclarecerá, afinal, a verdade". Mas o julgamento divino será mais remoto. Será, no juízo particular, após a morte de cada um. Ou, então, ao juízo univelsa (sic), após o curso dos séculos. Desde já, entretanto, a sociedade humana tem o direito de exercer uma participação naquele julgamento. É um direito proclamado pela própria Constituição Federal.

Em verdade, "nas ocasiões em que muitos espíritos estão conturbados por vários fatores de desagregação", o artigo 45 da Lei 760 reza assim: "Além da percentagem estabelecida no artigo 17 da Lei n. 20. de 30 de outubro de 1947, os funcionários do quadro de fiscalização de rendas terão percentagem direta de 5% sôbre os tributos que vierem a incidir sôbre parcelas incluídas no livro de Registro de Compras, em virtude da ação fiscal, quanto as aquisições feitas a partir da publicação desta lei". Ainda bem que o Aviso 824. de 13 de setembro de 1950, proíbe que se tire esta percentagem de multas.

E o artigo 1.º desta mesma lei, marca a extensão geral do imposto sôbre vendas e consignações, assim como no parágrafo 6 deste mesmo artigo se determina seja calculado o imposto "observado, quando for o caso, o disposto na lista de valores elaborada pelo Serviço do Imposto sôbre Vendas e Consignações". Ora, nesta citada "lista de valores de mercadorias e produtos, para efeito de cobrança de impostos e taxas estaduais" figuram, sim, senhores. "Frangos, ovos, aves, leite, verduras e legumes". É um verdadeiro dicionário de valores oficialmente publicado pela "Secretária das Finanças do Estado de Minas Gerais". E ali figuram todos estes produtos. Veja-se, por exemplo, na letra A, a especificações de aves domésticas, à página 11. Logo, em primeiro lugar, se lê: Galinhas e frangos — Valor oficial Cr$ 8,00.

Além disso, no artigo 20 da mesma "lei benfazeja", no número I, está que a cobrança se fará de "1,40% sôbre todas as transações realizadas em Minas Gerais ou relativas a contratos de execução no Estado, bem como nas operações de qualquer natureza e para qualquer destino, realizadas por produtores de hortaliças e legumes e leite em espécie", etc.

E é verdade que o parágrafo 1º deste mesmo artigo está em contradição, em parte, com o mesmo artigo, uma vez que isenta do imposto de recuperação econômica os produtos que foram, pelo artigo 13 da Lei número 133, de 28 de dezembro de 1947, excluídos da taxa de vendas e consignações. Mas, nem êste parágrafo 1.º confirma ou mantém, explicitamente, a isenção do impôsto sôbre vendas e consignações e como no artigo 50, ficam "revogadas as disposições em contrário", o que há de prevalecer em boa hermenêutica, é a incidência daquele impôsto.

A Lei está mal Feita

No mínimo, ficaria a dúvida. A lei está evidentemente mal feita.

Além disto, o assunto já tomou nada menos de 12 sessões da nossa Câmara Estadual e os nossos legisladores ainda não resolveram o impasse. E um deputado já afirmou, sem contestação até o presente, que a Secretaria das Finanças deu instruções secretas para que se cobrasse o imposto de tais produtos. Somente depois da greve do Triângulo Mineiro é que os jornais estão trazendo estas isenções.

Si a denúncia daquele deputado é falsa, então a coisa é muito grave.

Ele deve ser processado. E si esta denúncia for verdadeira, neste caso a coisa é mais grave ainda, porque então a Secretaria das Finanças, bem como os signatários e o escrevente (que, aliás, não é signatário, porque não quis, embora mandasse que outros o fossem) da "Declaração" publicada aqui todos estes são simplesmente, e com todas as letras, mentirosos, caluniadores, sonegadores dos bens públicos e dos bens particulares.

Estabelecidas estas premissas esta conclusão se impõe.

E isto sem falar nos fatos, apresentados, às dezenas, na Câmara e confessados já, até pelos que a princípio eram os mais acérrimos defensores da Lei 760.

Isto, sem falar nos 53 talões de lenha e carvão, que tivemos a oportunidade de mostrar ao Dr. José Hindemburgo, em nossa casa, no dia 25 de abril, passado.

Isto, sem falar nos talões de número 724.437 e 724.438, de 1.º de fevereiro dêste ano, de impostos sôbre mudas de abacaxi.

Os Princípios e os Fatos

Ficamos com os princípios, sem os fatos. Achamos muito menos grave os fatos, do que os princípios de que êles decorrem. Mas, temos fatos também e muitos.

De qualquer modo é aborrecida a posição dos agentes do fisco. Si não cobraram os impostos sôbre estes produtos, desobedeceram ao espírito e à letra da lei 760, bem como às ordens secretas da Secretaria das Finanças que, segundo o referido deputado, foram baixadas antes da greve.

Si cobraram, desobedeceram às ordens publicadas posteriormente à greve, assim como feriram a Constituição Federal e a Estadual. Presos por ter cão, presos por não ter cão...

Realmente "a verdade mais cristalina não é acreditada e a mentira mais infamante é erigida em dogma".

Já é um dógma de fé que não se cobraram os impostos. Até mesmo os Postos então (sic), ainda, fechados.

A Lei 760 é tão boazinha, tão "benfazeja", que a fogueira dos postos e a greve foram somente uma homenagem à sua execução.

Sentimo-nos no dever de sair a campo. Demos um testemunho simples e despretencioso. Não desejaríamos entrar no âmago desta questão. Mas fomos impelido a isto e, agora temos o dever de prosseguir.

Caluniadores e Sonegadores

Por hoje, queremos concluir, fazendo a seguinte observação:

Não teríamos, espontaneamente, a iniciativa de chamar de mentirosos, caluniadores, sonegadores dos bens públicos e dos bens particulares a estes senhores.

O que, entretanto, não ousaríamos, os fatos realizados por êles mesmos estão gritando eloquentemente. Para serem coerentes, êles deveriam processar as suas próprias pessoas.

De fato, o escrevente e os signatários da "Declaração" têm "sido reiteradamente injuriados" ... por si mesmos. É o que desenvolveremos na próxima semana, si Deus quiser.

A VOZ DOS FATOS

Alexandre Gonçalves do Amaral

7-6-1952

No último artigo, preferimos argumentar com os princípios.

Mostramos como, em virtude da lei 760, "o pobre tem que pagar para entrar com seu franguinho na cidade".

Ainda que não se tivesse cobrado uma vez siquer êste impôsto, ainda que a Secretaria das Finanças não tivesse baixado ordens secretas neste sentido, segundo a denúncia grave e reiterada de um deputado, em nossa Assembléia, ainda que nenhum talão de impôsto sôbre aquêles produtos pudesse ser exibido, ainda assim temos o direito de fazer a afirmação que fizemos.

Damos muito mais importância aos princípios de que promanam os fatos, do que aos próprios fatos que resultam dos princípios.

Achamos até que os agentes do Fisco, em Uberaba, poderiam eximir-se de qualquer culpa, citando simplesmente a lei e as determinações da Secretaria das Finanças.

Nem é da nossa competência discutir a tal lei. Quando os próprios especialistas, que são os legisladores, não estão de acôrdo...

O que reclamamos é a falta de seriedade, com que se publica uma coisa e se faz outra, inteiramente contrária.

E quando damos lealmente um testemunho, procuram simplesmente desmentir, sem mais nem menos, uma palavra despretenciosa, mas objetiva e verdadeira.

Pois si a lei estabelece que se cobre êste impôsto, por que motivo se protesta, de público e oficialmente, que tais produtos "não se sujeitam a quaisquer impôstos e taxas estaduais"?

A MELHOR COLABORAÇÃO

A melhor colaboração seria, mesmo, modificar a lei, uma vez que exista o desejo de dispensar tais produtos de tais impostos.

A melhor colaboração seria deixar de cobrar tais impostos, que realmente foram cobrados.

E si os atuais avisos da Secretaria das Finanças pretendem extender esta isenção a "Aves, ovos, hortaliças, legumes, frutas, leite, peixe, lenha e carvão", por que motivo os agentes locais, na sua "Declaração", que assinaram sem que a tivessem escrito, se restringem a "Frangos, ovos, aves, leite, verduras e legumes"?

Também as frutas, lenha e carvão não estão dispensados do impôsto, em condições idênticas, segundo aviso da Secretaria das Finanças?

Si em um só lugar de Minas, tais impostos tivessem sido cobrados, teríamos o direito de afirmar isto de público, sem contestação.

Poder-se-ia explicar que houve abusos, que esta não era a ordem da Secretaria das Finanças, que êste não é o espírito da lei, etc. Isto é que seria decente. O êrro póde estar em tôda a parte.

Mas querer pirronicamente defender o indefensável, querer, como diz o roceiro, sacudir moita para os outros correrem de pavor, isto é que não está direito.

O resultado é o que se vê. A verdade objetiva não se esconde e êstes senhores ficam desmoralizados.

A ELOQÜÊNCIA DOS FATOS

Além dos prnicípios (sic), também os fatos teem (sic) a sua eloquência.

Somos menos imediatista (sic) e reputamos menos eloquentes os fatos, do que os princípios. Mas os fatos também falam.

Terminamos o outro artigo, afirmando que "Não teríamos, espontaneamente, a iniciativa de chamar de mentirosos, caluniadores, sonegadores dos bens públicos e dos bens particulares a êstes senhores. O que, entretanto, não ousaríamos, os fatos realizados por êles mesmos estão gritando eloquentemente.

Isto, inegàvelmente, é duro, é forte, é rude. Mas, infelizmente, a rudeza não é nossa. É dos fatos.

Estamos refletindo bem o que afirmamos. Sabemos e prezamos a responsabilidade de uma palavra e, principalmente, de uma palavra escrita, de uma palavra de público, de uma palavra oficial. Sabemos a repercussão psicológica, social, jurídica e mesmo sobrenatural desta nossa palavra.

Há mais de um mês, pensamos assim. Sòmente agora, deliberadamente, refletidamente, publicamos isto. E o mais grave não é que digamos isto. É que a coisa é realmente assim. E si assim não fôsse caberia a êstes senhores pleno direito de nos levarem ao tribunal.

Não achamos bonito lançar reptos de público. Mas, si as coisas não fossem assim, êles estariam no dever de nos processar.

CARACTERIZAÇÃO DA CALÚNIA E DA MENTIRA

Ninguém contesta que a caracterização jurídica e filosófica da calúnia, está em que se atribua a alguma pessoa um crime que ela não cometeu. É um fato que isto se acha no nosso Código Penal.

Ninguém contesta que a mentira consiste em dizer ou fazer o contrário do que se pensa, com a deliberação de dizer uma falsidade. É uma coisa encontradiça em qualquer tratado de Filosofia e de Teologia, bem como de Direito.

FALAM OS FATOS

São fatos incontestáveis as publicações feitas, repetidas vêzes, nos jornais de Minas, classificando de falsas as notícias de que: "Aves, ovos, hortaliças, legumes, frutas, leite, peixe, lenha e carvão" estejam "sujeitos a quaisquer impostos e taxas estaduais, vendidos em mercados, feiras livres ou a domicílio, pelo próprio produtor, por vendedor não estabelecido ou por quem não seja empregado de estabelecimento comercial".

É um fato que "dirigente e funcionários dos "Postos de Fiscalização de Uberaba" declararam, de público, reiteradamente "serem absolutamente inverídicas as informações de que os mencionados "Postos" arrecadaram em qualquer época, tributos sôbre frangos, ovos, aves, leite, verduras e legumes negociados ou não por produtores ou ambulantes desta (sic) utilidades neste município". É um fato que, a propósito destas notícias, declararam que "a verdade mais cristalina não é acreditada e a mentira mais infamante é erigida em dogma".

CONCLUSÕES LÓGICAS

Logo, é mentira infamante, é calúnia afirmar que tais produtos estão sujeitos a taxas e a impostos estaduais.

Quem afirma isto, mente, calunia. Ora, é um fato também que a lei 760, como demonstramos no outro artigo, determina impostos sobre muitos destes produtos.

É um fato que a "lista de valores de mercadorias e produtos para efeito de cobrança de impostos e taxas estaduais" organizada pelo "Serviço do Impôsto esôbre (sic) vendas e consignações" da "Secretaria das Finanças do Estado de Minas Gerais" inclue todos êstes produtos.

É um fato que na Câmara Estadual, repetidamente, os nossos legisladores já afirmaram, sem contestação, haverem sido dadas ordens secretas para se cobrar impôstos de tais produtos.

É um fato que já foram alé (sic) citadas dezenas de talões de impôstos sôbre êste produtos. Basta que se tenha como tivemos nós a paciência de lêr, pelo "Minas Gerais", os discursos e apartes da nossa Assembléia.

Então, os legisladores, que fizeram a lei 760, o Govêrno, que a sancionou, a Secretaria das Finanças, que deu normas secretas e públicas para a execução desta lei, todos, todos êstes, são mentirosos e caluniadores?

Todos estão regeitando (sic) "a verdade mais cristalina" de que êstes citados produtos não pagam impostos?

Todos estão erigindo em dogma "a mentira mais infamante" de que tais produtos estão sujeitos a impostos?

Já, a esta altura, nada mais se entenderia do que dizem os homens, não fosse a severa advertência evangélica de que "um reino dividido contra si mesmo será desolado e destruído"...

OS FATOS EM UBERABA

Mas, agora, vamos aos fatos daqui.

Dizem os senhores dos Postos que não cobraram tais impostos. Então, sonegaram os direitos públicos, estabelecidos na lei 760.

Dizem que cobraram? Então, para serem coerentes com a sua "Declaração", sonegaram os bens particulares. Dizem que não cobraram e é "mentira infamante" afirmar o contrário? Então estavam narcotizados, sistemàticamente, tôdas as vezes, que assinaram talões de impostos sôbre muitos dêstes produtos?

Sim, senhores, muitos talões de frangos, lenha e carvão foram assinados nos Postos de Uberaba.

A mentira e a calúnia se acham no momento da assinatura de tais talões, ou na publicação repetida da "Declaração"?

Digam-nos, lealmente, uma coisa: quando assinaram aquela declaração que não escreveram, os senhores fiscais estavam mesmo convictos do que faziam?

Desejam que seja contada, de público, à história daquela "Declaração?"

Desejam que seja relatada, destas colunas do "Correio Católico" a história daquêles talões, bem numerosos, de frangos que foram, depois, procurados insistentemente? Mas, é pena que alguns sempre escapam...

LENHA, CARVÃO E MUDAS DE ABACAXI

E os talões de lenha, de carvão e até mesmo de mudas de abacaxi?

Fiquem tranquilos, que não nos interessamos pelo "prêmio correspondente a Dez Vêzes à importância dos tributos supostamente tidos como cobrados", mas queremos simplesmente dizer-lhes que, afirmando alguma coisa, estamos seguro do que dizemos.

Não temos vocação nem para escrever, nem mesmo para ouvir novelas. Queremos, todavia, prometer-lhes e aos leitores algumas surpresazinha sôbre tributos certamente (e não supostamente) "tidos como cobrados", de frangos e galinhas.

Senhores dirigente e funcionários dos "Postos de Fiscalização de Uberaba", o répto que os senhores lançaram está contra os senhores mesmos.

A "mentira mais infamante" foi "erigida em dogma" pelos senhores, porquanto "as informações de que os mencionados "Postos" arrecadaram, em qualquer época, tributos sôbre frangos, ovos", etc. foram fornecidas pelos senhores mesmos, quando os senhores assinaram talões de impostos sôbre êstes produtos.

Agora, só lhes resta "como último e final esforço para evitar explorações" pagar aos senhores mesmos "um prêmio correspondente a Dez Vêzes à importância dos tributos" arrecadados e ao mesmo tempo (pasmai, oh céus e terra!) contratar um advogado hábil para processar os mentirosos e caluniadores dos senhores, que são os senhores mesmos...

IREMOS PUBLICAR O "DOCUMENTO COMPROBATÓRIO"

Com efeito "o documento comprobatório das arrecadações pelas quais" os senhores teem "sido reiteradamente injuriados" por si mesmos, êste, não tenham dúvida, iremos publicá-lo aqui.

Até a próxima semana, si Deus quizer.

E ESTA, AGORA?

Alexandre Gonçalves Amaral

Fomos forçados a sair a campo para provar uma afirmação nossa, que foi insolentemente classificada de tendenciosa e de "mentira mais infamante"...

Como bom sertanejo, contudo, gosto sempre de "jogar com uma carta de mente"...

Fizemos questão de documentar tudo e provar o que havíamos afirmado. E em vez de retroceder, progredimos nas nossas afirmações.

Já demostramos claramente e reafirmamos deliberadamente, conscientemente, que são mentirosos, caluniadores, sonegadores dos bens públicos e dos bens particulares os que pretenderam desmentir-nos. E o mais grave não é que digamos isto. É que a realidade é mesmo esta.

Si não nos tivessem desmentido estes senhores, teríamos ficado naquela afirmativa de que "o pobre tem que pagar para entrar com o seu franguinho na cidade".

Historiando os fatos

Mas houve quem se precipitasse saindo a público, supondo que não tínhamos provas do que havíamos afirmado.

Quando estiveram conosco o Excelentíssimo Sr. Secretário das Finanças, Dr. José Maria Alkmim e doutor José Hindemburgo, deixamos bem claro que manteríamos a nossa afirmação em face de qualquer tribunal.

Não nos sentimos no dever de apresentar a êles, particularmente, as provas que êles também diseram (sic), não estavam exigindo, até porque não lhes reconhecemos, em face do Código do Direito Canônico e mesmo em face do Código Civil Brasileiro, autoridade para pedirem particularmente, a um Bispo da Santa Igreja, provas de uma afirmação oficial feita, pela autoridade eclesiástica.

Êrro de perspectiva

Quando à tarde daquele dia 25 de abril voltou, pela terceira vez, no mesmo dia, à nossa casa o doutor José Hindemburgo, disemos-lhe (sic), com muita clareza e com a máxima delicadeza, que manteríamos a nossa afirmação de pé e, para lhes facilitar o trabalho, a êle e ao Exmo. Sr. Secretário das Finanças, havamos (sic) mandado publicar no "Corrêio Católio (sic)", do dia seguinte, 26 de abril, o resumo do nosso discurso e algumas das provas que, então, possuíamos.

É provável que tenham suposto que não tínhamos mais prova alguma. Por isso, talvez, é que tenha sido escrita aquela "Declaração". Barulho na moita...

Revelação dolorosa

Mas lá está, no Evangelho, que nada é escondido, que não se revele, nada oculto, que não se manisfete.

Viemos a saber, por alguns dos próprios fiscais de Postos, que êles foram compelidos a assinar aquela "Declaração", que êles não escreveram, enquanto o escrevente se manteve na abstenção heróica da assinatura …

E houve mesmo um dêstes fiscais nos afirmou ter assinado por receio de vir a perder o seu ganha pão … São fatos particulares e pessoais, cuja análise e verificação não nos competem.

Perdoamos muito cordialmente o êrro dos fiscais. Estes não estão isentos de culpa, mas também não são os maiores culpados.

Conseqüências

A primeira conseqüência daquela publicação irefletida (sic) e insolente havia mesmo de ser a nossa saída a campo. Além de ser uma questão de brio pessoal, uma questão de honra, era também um direito sagrado, ou antes, um dever sagrado de autoridade eclesiástica.

Outra consequência foi que tivemos de fazer outras afirmações, na demonstração da primeira.

Foi assim que afirmamos e demonstramos que a mentira, a calúnia e sonegação dos bens públicos e particulares são patenteadas pelos fatos.

Devemos, hoje, cumprindo uma promessa feita, no fim do último artigo, publicar o "documento comprobatório" de que foram cobrados impostos de frangos, galinhas, ovos, lenha e carvão.

Limitando conceitos

Antes, porém, fazemos questão de reafirmar tudo o que temos dito e, ainda mais, afirmamos que a cobrança de impostos sôbre frangos, galinhas, ovos, lenha, carvão, etc., foi uma cousa generalizada e afirmamos mais que houve grandes abusos e até mesmo extorsões, nestas arrecadações ilegais.

Temos "documentos comprobatórios" de tudo isto. E entendemos por "documento comprobatório", não sòmente os talões assinados pelos fiscais isto é que menos prova … Entendemos por "documento comprobatório" também a palavra escrita ou gravada de pessoas, que merecem todo o crédito.

Enttendemos (sic) por "documento comprobatório" também o têxto da Lei 760, bem como a Constituição Federal e a Constituição Estadual, assim como também a palavra dos nossos legisladores e até mesmo as normas da Secretaria das Finanças …

Talões desoencertantes (sic)

Aceitamos todavia, apenas para argumentar o conceito de "documento comprobatório" restrito a talões assinados por fiscais de Postos ou de Barreiras.

E estes talões existem e numerosos.

A dificuldade não seria encontrá-los. Seria escolher. Vamos limitar-nos à publicação da cópia de um apenas. Trata-se do talão número 675.635, de galinhas, assinado no Delta, dêste município de Uberaba. A barreira do Delta continua funcionando, embora os outros pôstos do município, estejam fechados. O "próprio produtor", que é também o "vendedor não estabelecido" e que não é "empregado de estabelecimento comercial" foi quem nos ofereceu êste talão. E êle possui muitos outros de frangos, de ovos, de galinhas, etc.

Não nos digam que o Delta é do município do Japão, da China ou da Cochinchina, não. É de Uberaba mesmo. A Secretaria das Finanças continua pedindo, em impressos entregues até a domicílio: "Colabore, pois, com o fisco, desfazendo as tendenciosas notícias de que êsses produtos estejam onerados de impôstos e taxa nas barreiras fiscais ou postos de fiscalização".

A "Declaração" insolente, transformada em repto diz "serem absolutamente inverídicas as informações de que os mencionados Postos arecadaram (sic), em qualquer época, tributo sôbre Frangos, ovos, aves, leite, verduras e legumes negociados ou não por produtores ou ambulantes destas utilidades neste município".

Publicamos a cópia de um talão só, mas não porque exista só um, não. Escolhemos êste, também, por motivo de sua data. Êle é fresquinho, ainda. Foi assinado há um mês e cinco dias, depois do "quebra-quebra".

É de 28 de maio de 1952. A barreira do Delta continua funcionando. Nem nos venham com a desculpa de que é da barreira do Delta. Existem outros, e muitos, daqui mesmo.

Si quiserem mais, não façam ceremônias, porque a seara é vasta.

Um convite

Agora, contudo, quem irá procurá-los não seremos nós. Indicaremos onde se encontram.

Desejamos apenas fazer, não um repto, mas um convite muito amistoso. Temos um ótimo gravador de fio. Que maçada, senhores do Fisco, esta descoberta dos gravadores!

Pois si os senhores do Fisco se dignarem de aceitar o nosso convite amistoso, iremos dedicar-lhes um quarto de hora de gravação. Repetimos: não é répto, é um convite amistoso. Êste negócio de lançar réptos de público não nos parece bonito, não senhores.

Poderão escolher um salão (qem sabe o da P. R. E. 5?) e ali, tendo Uberaba inteira como testemunha, iremos apresentar-lhes um outro. Original "Documento comprobatório"

Trata-se do seguinte: dois senhores, pai e filho, ambos produtores rurais, residentes apenas a oito quilômetros de Uberaba, dão o testemunho vivo, autorizando-nos a publicação de tudo, de que, mêses a fio, pagaram impostos de todos estes produtos. Êles possuem numerosos talões. Vieram estes dois ilustres senhores à nossa residência, com duas testemunhas, e permitiram a gravação das suas narrativas interessantes. E o melhor documento é mesmo a gravação, em que se reconhecem bem as vozes de ambos.

Testemunhos surpreendentes

Um dêles de uma feita, trouxe para a cidade, em seu veículo, um suíno de meia engorda, com duas arrobas.

Um só e não era para negócio, mas era um presente para a sua veneranda progenitora, residente em Uberaba.

Junto ao Pôsto, a taxa determinada foi de Cr$ 130,00 (cento e trinta cruzeiros).

Não achando justo isto, reclamou. O fiscal baixou para 100. para 60 e finalmente para 30 e poucos cruzeiros. O ruralista preferiu voltar para a sua casa. Neste momento, a um sinal do fiscal, o soldado apertado arrancou a chave do veículo.

Isto quer dizer que não havia opção: o remédio era pagar mesmo …

Mas aquele senhor com seu filho, ambos conseguiram rehaver a chave.

Neste interim chegaram mais pessoas, que interferiram, apaziguando tudo e "pro bono pacis" … com gáudio do Fiscal, foi pago o talão número 724.826, de 7 de março de 1952, o qual se acha em nosso poder, à disposição de quem quiser vê-lo.

Êste mesmo senhor foi intimado a pagar impôstos de ovos, que não chegavam a duas dúzias. Preferiu, entretanto, quebrá-los, lá, junto ao Pôsto mesmo.

Sim, senhores! Um porquinho de duas arrôbas, que não era para negócio, duas dúzias de ovos — tudo isto taxado de impostos!

Mais ainda

O filho dêste senhor, acima referido, narrou, ao microfone do nosso gravador, fatos muito interessantes. Êle pagou, várias vêzes, impostos de frangos, ovos, etc. Existem, ainda, numerosos talões dêstes impostos. Tudo êle indica na referida gravação. É um documento vivo. Quem quiser ouvir esta gravação, não faça a menor ceremônia. Esta às ordens.

Também o dono daquele talão pago no Delta declarou possuir ainda muitos outros talões de frangos, galinhas e ovos. Todos estes são produtores, não estabelecidos, nem empregados de estabelecimento comercial.

Um pouco de reflexão

Tudo isso devia ser conhecido pelo difigente (sic) e funcionários dos Postos Fiscais, bem como pelo escrevente, que não subscreveu a "Declaração". Ninguém poderiam (sic) conhecer, melhor que êles, estes fatos e muitíssimos outros.

E ainda saem de público a "declarar, a bem da verdade, serem absolutamente inverídicas as informações" de que tais impostos foram cobrados! E ainda invocam a Deus por testemunha!

Que auto-classificação pouco lisonjeira escolheram estes senhores!

Cuidado. "Deus, o Supremo Juiz das ações humanas, esclarecerá, afinal a verdade"!

"A mentira mais infamante é erigida em dogma"!

"A verdade mais cristalina não é acreditada"!

Aguardem com o velho imperador destronado, "a justiça de Deus, a voz da história"…

Senhor Presidente, antes de terminar, desejo referir que o Sr. Governador Jucelino (sic) Kubitschek de Oliveira, no dia 13 docorrente (sic), em Belo Horizontte (sic), quando agradecia a homenagem quelhe (sic) prestavam funcionários estaduais: assim se pronunciou:

"… As objeções que se levantam contra a Lei n.° 760, feitas por interesados (sic) em criar confusão ou dificultar a obra do govêrno, não nos surpreendem, porque, como disse já estavam previstas. Mas não serão essas objeções que nos farão desviar de nosso rumo…"

Insiste como se vê o Govêrno do Estado em aplicar a famigerada Lei… Ninguém desviará o Sr. Governador de Minas Gerais do rumo quese (sic) tragou… Na opinião do Governador do Estado interessados em criar confusão ou dificultar a obra do govêrno são aquêles que demonstrando a inoportunidade a necessidade da revisão e mesmo darevogação (sic) da Lei número 760 procuram mostrar que o povo não pode continuar a ser tão tristemente explorado principalmente os pequenos produtores rurais as maiores vítimas da implacabilidade e da violência do fisco…

Sr. Presidente, Senhores deputados: apezar (sic) das negativas e da propaganda ao contrário que tanto dinheiro vem custando ao Estado, continua o govêrno mineiro afirmar que galinhas, ovos, verduras, lenha, carvão, etc. etc. não pagam impostos nas barreiras militarizadas. Sim, Sr. Presidente. Militarizadas!

Ao povo de Minas Gerais e ao povo de todos os estados onde se pratica essa modalidade de cobrança de impostos nas barreiras, só resta um recurso: apelar para o Congresso Nacional para que aprove, com urgência, o projeto do nobre Deputado Lúcio Bittencourt.

Ficará registrado, nos anais desta casa, o pronunciamento de D. Alexandre Gonçalves do Amaral, Bispo Diocesano de Uberaba. Que sirvam, suas palavras, para alertar a todos nós.

Que sirvam, também, de advertência aos que em Minas Gerais, aplicando mal a péssima Lei, se transformaram em verdadeiras algozes do povo! (Muito bem; muito bem).


DIÁRIO do Congresso Nacional. Sessão: 17/6/52. Publicação: 18/6/52. Assunto: Lendo 3 artigos Bispo Uberaba D. Alexandre Gonçalves do Amaral sobre prof. Lucio Bittencourt extinguindo postos fiscais instalados barreiras de alguns municípios. p. 5388. Coluna: 2.