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4/6/52 5/6/52 Fazendo considerações em torno da "Carta Aberta" ao povo do Triângulo Mineiro 4746

O SR. PRESIDENTE — Passa-se à 2ª parte do Expediente.

Tem a palavra o Sr. Mário Palmério.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO (Lê o seguinte discurso) — Senhor Presidente, Senhores Deputados, em 14 de março de 1950, quase seis meses antes do comício eleitoral de 3 de outubro, dirigimos, ao povo do Triângulo Mineiro, carta aberta em que esboçamos alguns aspectos de nossa realidade econômico-social, permitindo-nos, outrossim, lembrar algumas normas de conduta política, visando aos justos interêsses de nossa grande e progressista região. Êsse documento, amplamente difundido pela imprensa triangulina, intitulado "Carta aos Triangulinos", escrevemo-lo quando não éramos, ainda, candidato ao alto e honroso pôsto de representante da Nação, pôsto êsse que, se hoje o ocupamos, devemos ao generoso e expressivo sufrágio dos trabalhadores e dos demais setores populares conscientes e independentes de todo o Triângulo Mineiro.

Expusemos, então, naquele documento, a necessidade de um trabalho de esclarecimento, "trabalho êsse que deve ser sistemático e persistente e visando à solução dos nossos maiores e mais momentosos problemas", acrescentando:

"É absolutamente necessário tal empreendimento e, sobretudo, oportuno, porque é fàcilmente previsível a demagogia que presidirá àquela campanha, dados, não sòmente o descontentamento geral do povo em face da ausência de um ideário objetivo norteando as atitudes da maioria dos dirigentes políticos do país, como também o revivescimento de velhas e sentidas reivindicações regionais. Dentre essas, o separatismo do Triângulo Mineiro, por exemplo, será a bandeira que desfraldarão alguns partidos políticos ou, melhor, alguns líderes políticos regionais que, sem jamais terem realizado nenhum trabalho positivo nesse sentido ou, pelo menos, sabido reconhecer as características próprias e as reais necessidades dos grandes e progressistas municípios que compõem essa região, irão, sem dúvida, explorar em benefício próprio um notável movimento que tanta repercussão tem, sempre, encontrado em nosso meio."

Escrevíamos, ainda: "Debater êsse problema, porém, como mera represália ou espalhafatosa ameaça contra o indiferentismo — real ou inexistente — dos governos estaduais com relação às nossas necessidades, ou contra a sua negativa em corresponder às pretensões de pessoas ou grupos partidários, é praticar demagogia extremamente nociva aos nossos interêsses. Os governos mineiros, tanto o atual como os anteriores, contam e já contaram com homens honestos e dignos, patriotas sinceros e bem intencionados, que muito procuram ou procuraram fazer em benefício de todo o nosso Estado, despidos de elementares preocupações regionalistas e que, por isso mesmo, aceitariam a Reforma Territorial, desde que esta viesse promover o bem geral da Nação. Não há de ser a ocasional permanência, ao lado dêsses homens, de alguns políticos e administradores inúteis ou facciosos, que justifique um movimento precipitado, cheio de complexidades, podendo gerar más conseqüências de tôda sorte."

E, depois de apresentarmos outras considerações e uma série de medidas que julgamos oportuno submeter à consideração do altivo e esclarecido povo do Triângulo Mineiro, visando ao aumento de legítimos representantes de nossa região, a uma expressiva bancada parlamentar "triangulina", acrescentávamos:

"Teremos uma autêntica bancada parlamentar em nossas Câmaras, e não nos faltam elementos para que ela seja respeitável. Se já tivéssemos êste grupo de parlamentares triangulinos, estariam êles, hoje, falando, pleiteando, levantando questões de nosso interêsse e obtendo atenção para os nossos urgentes e vitais problemas. Estariam, êles, prestando contas de suas atividades, já que seriam homens vivendo e dependendo de nosso (sic) meios e eleitos com os nossos votos. Poderiam, êes (sic) er (sic) os portadores de nossas reivindicações, os únicos capazes e verdadeiramente credenciados para chamar a atenção do país sôbre a conveniência ou inexequibilidade da grande e momentosa causa dos triangulinos: a criação do Estado do Triângulo!"

Tudo isso, dizíamos quase seis meses antes das últimas eleições; quando não havia ainda sido assente a minha candidatura a uma das cadeiras do Parlamento Nacional. Militávamos, porém, nas fileiras de um partido político, o patriótico Partido Trabalhista Brasileiro, e foi essa agremiação qu (sic) nos inscreveu como seu candidato à deputação federal, conBcedendo (sic), assim, a um homem que nunca participara de qualquer luta política até então, missão tão honrosa quão cheia de responsabilidades.

A menos valiosa realização do trabalhismo triangulino teria sido a minha eleição para a Câmara Federal, já que o expressivo sufrágio petebista poderia ter levado para a mais alta tribuna do país um representante triangulino de maiores recursos pessoais de inteligência e de cultura, que pudesse interpretar com mais acêrto as nossas reivindicações e obter, com maior facilidade, soluções mais eficientes para os angustiosos problemas em que se debatem e asfixiam os trabalhadores e, de um modo geral, o povo do Triângulo Mineiro, que, por ser uma das mais adiantadas e progressistas regiões do país, nem por isso deixa de passar pelas dificuldades que assoberbam a nação brasileira.

Mas o fato é que conseguiram, os trabalhadores do Triângulo Mineiro, por sua fôrça e escolha própria, mais um assento na Câmara Federal. Resta-nos, agora, saber usá-lo com dignidade, e sobretudo, com fidelidade aos princípios que nortearam a nossa campanha.

Tentamos, por isso mesmo, promover as medidas que lembrávamos na "Carta aos Triangulinos", carta essa que, transformado o seu autor em candidato a [deputação] federal, foi sua modesta mas sincera plataforma. Deram-nos votos os homens e mulheres do nosso Partido que nos ouviram nas praças públicas, que aprovaram nossas idéias e que nos julgaram capazes de conservar-nos fiéis aos programas traçados. Não podemos esquecer aqueles companheiros, não podemos menosprezar a sua generosa lealdade, e, muito menos, traí-la.

Coerente com êsse ponto de vista é que ocupamos a tribuna da Câmara Federal para defender o movimento de emancipação do Triângulo Mineiro da pecha de ridículo que lhe atirou um dos órgãos mais credenciados da imprensa do país, e para nos declarar solidários com os triangulinos que almejam e estão decididos a constituir-se em um novo estado da federação brasileira. Sabíamos que se levantariam, contra a idéia, as ondas da incompreensão e do indefectível e infeliz conformismo. Levantam-se essas mesmas ondas contra todos os grandes movimentos progressistas. Furiosas, impiedosas, atiraram-se contra as idéias novas da Independência... Quebraram-se contra o generoso ideal da Abolição... Ergueram-se contra a República... contra a revolucionária legislação social vigente e continuarão se arrebentando, impotentes, contra todos os esforços de progresso e de renovação nacionais.

Declaramos, na Câmara Federal, o seguinte: "Terminamos as nossas palavras fazendo novamente a nossa profissão de fé em favor do movimento pró-emancipação do Triângulo Mineiro e pela criação de um novo Estado na Federação Brasileira. Somos por uma solução nacional, escoimada de regionalismo estreito e impatriótico. Somos, acima de tudo, brasileiros. Visamos ao progresso da região em que nascemos e onde trabalhamos modestamente em benefício de seu desenvolvimento [material] e cultural.

Não nos moveu, quando assumimos a defesa do ideal triangulino de emancipação, repito, nenhum estreito sentido regionalista e, muito menos propósitos deliberados de combate ao atual govêrno mineiro. Se tivemos oportunidade, posteriormente, de acusar a êsse mesmo govêrno, responsabilizando-o pelos graves acontecimentos que tiveram lugar em Uberlândia e Uberaba, fizemo-lo com justiça, pois, realmente, foi o govêrno culpado, provocando o incontido descontentamento popular pela ilegalidade e violência com que vem se caracterizando a cobrança dos impostos estaduais em nossa região.

O Sr. Leopoldo Maciel — V. Ex.ª interpretou apenas o pensamento do povo mineiro, neste caso.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Muito obrigado a Vossa Excelência.

Conhecemos, bem, o Triângulo Mineiro. Não podemos ignorar a extensão e a profundidade que definem o nosso movimento emancipacionista. Temos a convicção de que êsse movimento é um movimento justo, solidamente apoiado em irrefutáveis argumentos históricos e em fatores outros, sociais, políticos e econômicos que o justificam plenamente.

Vultos eminentes de nossa história, sinceros patriotas e profundos conhecedores de nossa realidade social, defenderam e defendem, ardorosamente a criação de novas unidades da federação brasileira. Não nos cabe discutir, aqui, qual o melhor plano a seguir, qual o critério mais acertado a adotar-se, dentre os muitos estudos realizados e consubstanciados nos planos revisionistas do nosso território. O que defendemos é a necessidade de se manterem abertas as possibilidades de se criarem novas unidades federadas, à medida que o forem exigindo os supremos interesses da Nação.

Destacamos, dentre outras, valiosas e insuspeitas opiniões a respeito de tão importante assunto.

O ilustre geógrafo-militar Fausto de Souza escreveu:

"Abra-se um mapa do Brasil. Depois de um ligeiro exame, notar-se-á que essa imensa região igual em superfície aos quatro quintos da Europa divide-se em duas porções, quase perfeitamente iguais, pela linha tirada do Pará, acompanhando o curso dos Rios Gurupi, Araguaia e Paraná: mas de um outro lado contam-se 17 províncias, ao passo que do outro há somente 3." (Citado por Oclécio Barbosa Martins, em "Pela Defesa Nacional", 1944).

Eminente contemporâneo nosso, o Senador Mello Vianna, quando Presidente do Estado de Minas Gerais, em 1925, em mensagem ao Congresso Mineiro, corajosa e solenemente aludiu ao "irreparável êrro político dos implantadores do novo regime, que não tiveram a clarividência de por um golpe bendito da espada vitoriosa, igualar, em extensão territorial, em quantidade de população e de possibilidades econômicas, as unidades Federativas, matando, de vez, surtos de ambição e de predomínio" (citado por Teixeira de Freitas, em "O Reajustamento Territorial do Quadro Político do Brasil", 1948).

Colhemos, no magnífico livro de Oclécio Barbosa Martins, "Pela Defesa Nacional", trechos que subsidiam valiosamente a longa história do movimento pró-Redivisão Territorial Brasileira.

"Dentre os múltiplos problemas que, há mais de um século, têm preocupado os nossos grandes homens públicos — estadistas, políticos, pensadores, estudiosos — sempre foi objeto de sérias cogitações o reajustamento dos quadros territorias (sic) dos Estados, como primeiro passo para a solução de nossos problemas fundamentais, como sejam os de transporte, os de saneamento, os de educação".

"Homens da estatura de Varnhagem, Bernardo da Veiga, Pimenta Bueno, Fausto de Souza, Cândido Mendes e vários outros pugnaram por um reajustamento nas extensões territoriais das antigas províncias".

"Em 1849, o grande Varnhagem publica o seu debatido "Memorial Orgânico", pelo qual tem o arrôjo de cortar o Brasil em 20 departamentos, modificado depois para 22 províncias".

"Também Tavares Bastos, vulto proeminente do Império, deu a lume em 1870, o seu livro "A província" estudo sôbre a descentralização administrativa de nossas instituições: dedicou um capítulo especial para "Novas províncias e territórios". Naquele tempo, já propunha a criação de 9 territórios, desmembrando os atuais Estados de Amazonas, Pará, Goiás, parte do Maranhão e Mato Grosso que seriam subdivididos".

"Em 1880, o matemático, geográfo e físico Major Augusto Fausto de Souza, da E. M. da Artilharia, oferece aos estudiosos de tão palpitante problema nacional, o seu "Estudo sôbre a divisão territorial do Brasil". Seguindo o critério natural dos acidentes geográficos e de relativo equilíbrio demográfico, previu o desdobramento das maiores províncias então existentes que, de 20, passaram a ser 40".

O Sr. Nestor Duarte — V. Ex.ª me permite um aparte? Nem é bom falar em redivisão do território brasileiro porque nós brigaremos na certa. Ninguém tocará na Bahia, sob um pretexto de caráter artificial. A redivisão de um país se faz por motivos históricos e os motivos históricos que aí estão revelam que devemos resguardar e preservar a atual divisão.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — V. Ex.ª terá oportunidade de ler meu trabalho e verificará que a emancipação do Triângulo está baseada em argumentos históricos irrefutáveis.

O Sr. Nestor Duarte — V. Ex.ª falava numa redivisão do país; eu aceitava como fantasia. Mas, se tocar na Bahia, vai haver briga na certa.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Não se toca na Bahia. Bato-me pela criação do território do Triângulo e isto baseado nos argumentos que V. Ex.ª encontrará no trabalho que leio.

O Sr. Magalhães Melo — O nobre Deputado Nestor Duarte não tem razão, por isso que a Bahia vai restituir a Pernambuco a antiga Comarca de São Francisco, sem litígio, pois reconhece os direitos do meu Estado sôbre aquêle território.

O Sr. Nestor Duarte — Dix (sic) V. Ex.ª que Pernambuco tem fama de valente, mais do que nós da Bahia. Pois experimente tomar o território do S. Francisco...

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Ainda no Império, brasileiros ilustres tomaram posição ao lado de novos quadros geográficos nas unidades provinciais. O Senador Cândido Mendes muito se [esforçou] pela redivisão das grandes províncias notadamente da Bahia, Minas, Goiás e Mato Grosso".

Nos nossos dias, Teixeira de Freitas, no seu já citado trabalho "O Reajustamento Territorial do Quadro Político do Brasil", estudando os precedentes de tão magna questão, escreve:

"Em 1823, o primeiro Antônio Carlos já propunha a redivisão territorial. E através de todo o período imperial, vozes várias se fizeram ouvir, entre elas, além das de Bernardo da Veiga e Pimenta Bueno, já referidas, as de Varnhagem, Fausto de Souza, Vergueiro, Cândido Mendes, Quintino Bocaiuva. Ao organizar-se a República, como partidários mais decididos da redivisão, costumam ser citados Magalhães Castro — Rangel Pestana — Pinheiro Guedes — Amaro Cavalcanti — Costa Machado e Felisberto Freire. A seguir, até os dias que passam, tôda uma extensa [maioria] de brasileiros ilustres a reclamar a medida salvadora, entre cujos nomes me ocorrem: anteriormente à Revolução, além de Mello Vianna — Carlos Maximiliano — Silvio Romero — Teodoro Figueira de Almeida — Alberto Torres; e, posteriormente, ainda, Carlos Maximiliano — Segadas Vianna — Oscar Marins Gomes — João Ribeiro — Affonso Celso — Assis Cintra — Augusto de Lima — Sud Menucci — Bernardino de Souza — Oliveira Vianna — Agenor de Roure — Hélio Gomes, ainda, Figueira de Almeida — Luiz Barbosa Bahiana — Max Fleiuss".

Não estamos sozinhos, como se vê, quando nos dispomos a defender a causa triangulina. Màl à Nação não causará o aparecimento de mais um Estado brasileiro. Contràriamente: tais são as excepcionais condições que caracterizam a atual região do Triângulo Mineiro que esta se definirá, desde logo, como uma poderosa unidade federada, com área, população, rendas próprias e muitos outros elementos necessários bem superiores aos de várias unidades que, hoje, integram a Nação.

Passo a ler a carta, e o memorial que a acompanha, a nós dirigida pelo Sr. Doutor Félix Palmério, agrimensor e advogado, conhecedor profundo da história de nossa região. Desejamos que fique, êsse documento, registrado nos anais desta Casa, para que dêle tomem conhecimento os ilustres legisladores que a compõem. Esperamos que mereça, êsse trabalho, o exame dos Senhores Deputados, que, assim, ficarão melhor conhecendo dos elementos — sobretudo históricos e geopolíticos — que bem caracterizam e definem o chamado Triângulo Mineiro.

Meu caro Mário:

Tomando conhecimento de que se encontra na Câmara um projeto de Lei que visa à regulamentação do artigo 2.º da Constituição Federal — regulamentação essa de que dependerá a emancipação do nosso Triângulo — envio-te os dados em anexo com as considerações que julgo oportunas e merecedoras da atenção dos nobres legisladores brasileiros. Resumi o mais que pude. Apesar da farta documentação histórica que tenho, hoje, em mãos, menciono, apenas, o essencial.

Como sabes, pretendia, dentro em breve, enviar-te um Memorial mais completo, fruto de estudos e observações que venho, há vários anos, realizando.

Espero que o resumo que te envio, hoje, possa ser útil ao teu trabalho, na Câmara Federal, sempre inspirado na defesa da nossa maior causa, a emancipação do nosso prodigioso Triângulo.

Sr. Presidente, Senhores Deputados, vou ler, a fim de que consta dos Anais da Casa, o pequeno e despretencioso trabalho em que dou os fundamentos históricos e constitucionais da criação de mais um estado da Federação brasileira.

Denomina-se "Triângulo Mineiro" a rica mesopotâmia do Brasil Central, tendo, ao Norte, o Rio Paranaíba na divisa com Goiás, e, ao Sul, o Rio Grande na divisa com São Paulo; é fechada, ao oriente, pelo divisor das águas do rio S. Francisco, constituído por um mesmo prolongamento de serras com os nomes atuais mais definidos de Canastra e Mata da Corda que Saint Hilaire sugerira chamar-se, todo êsse divisor, por Serra São Francisco e Paranaíba, dadas as confusões que se, faziam, antigamente, a respeito. São cidades triangulinas, nas divisas com o Estado de Minas Gerais na parte suleste, Delfinópolis e, na parte Nordeste, Patos. Historicamente, êste território era integrante da Capitania de Goiás, desmembrada da de S. Paulo, no qual tinham sido criados pelo Govêrno da diata (sic) Capitania de Goiás os dois julgados de Araxá e Desemboque. Ambos êsses julgados e os seus respectivos territórios, isto é, todo o Triângulo, passaram para a jurisdição da Capitania de Minas Gerais pelo Alvará de 4 de abril de 1816. É muito conhecida a história dessa transferência e quem quiser saber pormenores poderá, por exemplo, ler o interessante artigo da recém-falecida escritora Ignez Mariz, publicado em "Eu Sei Tudo" e transcrito na última edição (1951) do suplemento anual da Revista "Zebu", denominado "Livro Azul", que se publica em Uberaba e que contém dados do potencial político e econômico atual do Triângulo. Muitos parlamentares receberam-no, para que se inteirassem bem dos fundamentos da campanha emancipacionista do Triângulo. Em resumo, a transferência injusta e, mesmo naquele tempo, sem nenhuma utilidade, foi motivada pela história amorosa que a escritora denominou de "grossa patifaria", de um muito culto, ilustre e casado Ouvidor de Goiás com uma mocinha que morava naquele tempo em Araxá, e que ficou depois conhecida como Dona Beija.

Oficialmente, porém, consta da referida Carta Régia que, dado o parecer favorável da Mesa do Desembargo do Paço. D. João VI atendia ao pedido de moradores da Campanha do Araxá, os quais alegavam a distância de 150 léguas da Capital de Goiás, sendo-lhes penoso socorrerem-se às suas Justiças. Tudo poderia e deveria ser remediado por outra forma, com relação a esta parte. Cândido Mendes de Almeida, no seu "Atlas do Império do Brasil" edição de 1868, referindo-se ao assunto, transcreveu o Alvará e comentou:

"Por Alvará de 4 de abril de 1816, que abaixo registramos, foi a Capitania de Goiás privada de uma extensa mesopotâmia entre os rios Paranaíba e Grande, para se anexar a Minas Gerais, cujos habitantes nem por tal mudança melhoraram de condição".

Disse ainda, pouco antes do trecho acima, sôbre as grandes absorções de territórios por parte de Minas:

"A acumulação de tão vastos territórios sob uma só direção, parece que deverá ter saciado o govêrno de Minas; tanto mais quanto esta acumulação tornava por demais pesadíssima a administração, e consequentemente, mal desempenhada".

e ainda:

"A miopia do Govêrno Colonial não compreendia a conveniência da criação de mais uma ou duas Capitanias, preferindo adiar a satisfação desta necessidade, fazendo dessa Capitania Central um depósito de territórios para alguma distribuição futura". (o grifo é meu).

Palavras proféticas — Distribuição Futura.

Miopia do Govêrno Colonial ontem, clarividência do Govêrno da República hoje, erigindo em Estado da Federação o território dêstes dois antigos Julgados Goianos.

Ainda ao êrro e injustiça desta anexação referiram-se os Delegados de Goiás Vice-Almirante José Carlos de Carvalho, Dr. Olegário Herculano da Silveira Pinto e Henrique Silva na "Memória Justificativa dos Limites de Goiás com os Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e Bahia, apresentada ao 6.º Congresso Brasileiro de Geografia de Belo Horizonte", de que transcrevemos o trecho abaixo, da edição de 1920:

"No mesmo ano, 1816, perdia Goiás os seus antigos Julgados de Araxá e Desemboque, que, em consequência do Alvará (aqui retificamos a data) de 4 de abril de 1816, foram anexados à Capitania de Minas Gerais. Esta usurpação do território goiano dava a Minas Gerais essa imensa porção de terras compreendidas entre o Paranaíba e o Rio Grande, conhecida por Sertão da Farinha Pôdre, e depois denominada Triângulo Mineiro".

Cumpre-nos, ainda, referir que esta anexação foi feita à Comarca de Paracatu, no território mineiro na divisa com Goiás, criada pouco antes pelo Alvará de 17 de junho de 1815 e que, quando se ouviam os pareceres sôbre a criação desta nova comarca mineira, o próprio Governador da Capitania de Minas Gerais D. Manoel de Portugal e Castro declarou, na sua informação por escrito, que, tendo ouvido, também por escrito, o então Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas, concordava com êle. Eis um trecho da informação do dito governador:

... " e que igualmente sou de voto que não se anexe terreno algum da Capitania de Goiás para a nova Comarca pois [marcando-se] esta na forma lembrada pelo mesmo Ouvidor, sem entrar naquela dita de Goiás, já a suponho com bastante extensão".

Entretanto, como se viu, um ano depois se fez a anexação do território Triângulino à dita Comarca de Paracatu. A (sic) Alvará obedeceu às informações do Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas e do Governador de Minas Gerais, tanto, assim que fixou os seguintes limites da nova Comarca:

"Os limites desta Comarca de Paracatu serão o Rio de S. Francisco e o Rio Abaité do Sul, e das suas cabeceiras pela divisão que formam as vertentes da terra até a extrema da Capitania..."

Fazemos questão de deixar bem frisado êste ponto para que não surjam confusões futuras sôbre a linha divisória dos Estados de Minas Gerais e do Triângulo.

Os Triângulinos não querem nem estarão reivindicando uma polegada de terra dos seus caríssimos irmãos de além Serras da Canastra e da Mata da Corda. Querem, apenas, elevar à categoria de Estado o território brasileiro que, em 1816, constituía os ditos dois antigos julgados goianos de Araxá e Desemboque.

Fato importantíssimo é, também o que passamos a relatar: mesmo feita a transferência da jurisdição civil, Goiás continuou governando, eclesiàsticamente, o território triangulino. Narra, também, Raimundo José da Cunha Matos na sua "Chorographia Histórica da Província de Goiás" (Ref. do Inst. Histórico. Tomo 37), que, de tal forma a transferência prejudicou a Goiás, que os rendimentos dos ditos julgados lhe foram restituídos, já como Província, pois foi em 31 de outubro de 1823 que tomaram posse dos Registros os destacamentos goianos. É ainda Cunha Matos que, na mesma obra, cita o Barão de Eschwege criticando a desanexação porque resultou na mesma inconveniência que se pretendia evitar oficialmente, aconselhando até uma partilha do território entre Minas e São Paulo, na conformidade com as distâncias das respectivas Capitais. Chegou ainda o mesmo Cunha Matos, considerado a maior autoridade neste assunto, a escrever que, fazendo justiça a quem a merece, os povos de Goiás têm:

... "O mais bem fundado direito para clamarem pela reintegração dos Julgados do Araxá e Desemboque à sua província, visto ficarem a oeste da serra geral, que serve de limite oriental da mesma província de Goiás".

Podemos insistir, ainda, sôbre a injustiça e êrro da desanexação. O Território triangulino foi desbravado e tornado habitável pela ação conjunta dos Governadores de São Paulo e de Goiás. Saint Hilaire (Viagens às Nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goiás), narra acontecimentos bem anteriores à sua estada na região. E, quanto ao desbravamento originário, vejamos o que ele diz:

"Pelas informações que êle (o Capitão da Aldeia) e outros índios me deram, eis qual foi a origem da Aldeia do Rio das Pedras: na época em que os Paulistas fundaram os primeiros estabelecimentos, na Província de Goiás, os Caiapós exasperados, certamente, pela crueldade de alguns dêles, puseram-se, como já o disse, a infestar a estrada de São Paulo à Vila Bôa, e lançaram o terror nas caravanas. Antônio Pires, que reduzira várias nações indígenas na região de Cuiabá, e que era famoso pela sua intrepidez foi convidado a ir em socorro da colônia nascente. Já alcançado em anos, não pôde pôr-se em pessoa à frente da expedição: mas em seu lugar enviou o filho, o coronel Antônio Pires de Campos, com uma tropa de índios de várias nações diferentes, principalmente bororós e parexis. Os caiapós foram vencidos e tratados com grande crueldade; a estrada tornou-se completamente livre, e para garantí-la melhor contra novos ataques concedeu-se a Antônio Pires, para si e sua gente, o território que se estende do Rio Paranaíba ao Rio Grande, com a largura de uma légua e meia portuguêsa de cada lado da estrada. Foi o local onde está hoje em dia a Aldeia do Rio das Pedras que Pires escolheu para se fixar. A povoação se levantou por cêrca de 1741 à custa da fazenda real, e Pires teve nela uma casa".

Foi o mesmo que narrou. Cunha Mattos, na sua "Chorographia Histórica da Província de Minas Gerais", que presumimos ainda inédita, pois dela tomamos conhecimento em manuscrito do autor, em 3 volumes, existente no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde no 1.º volume à página 156, tratando do Julgado do Araxá", depois de descrever as suas divisas, continua:

"Começou a ser povoado no ano de 1741, por ordem do Governador de Goiás, que mandou aqui estabelecer várias aldeias de índios Bororós que com o Coronel Antônio Pires de Campos, vierão do Cuiabá por ajuste feito com a Comarca de Goiás, 4$116 oitavas de ouro, a bem de desemfestar (sic) a Estrada de S. Paulo dos Índios Cayapós, que cometiam muitas hostilidades contra as Tropas que passavam de uma para outra Privíncia (sic)".

Foi assim que as férteis terras triangulinas foram sendo expurgadas dos gentios, tornadas habitáveis pelos povos pacíficos que foram chegando de Minas e demais regiões do país, para nelas se fixarem. Continuemos ainda o mesmo manuscrito precioso de Cunha Mattos, para ficar mais uma vez registrado que a transferência operada pelo Alvará de 4 de Abril nem mesmo foi completa, como já dissemos. Eis com (sic) narra o consagrado autor:

Tanto o Têrmo do Araxá como o do Desemboque fizeram parte da Província de Goiás até que em observância do Alvará de 4 de Abril de 1816 se incorporaram à Comarca do Paracatú para lhe dar mais extenção; ou, em consequência de um requerimento feito pelos habitantes dos dois julgados com vistas de se livrarem da pesada contribuição de 600 réis em cada uma Cabeça de Gado que empastavam, contribuição que só tinha na Privíncia (sic) de Goiás e não oprimia o povo da (sic) de Minas Gerais. Esta incorporação de território só tem efeito nas matérias civis, como foi determinado na Provisão do Tesouro datada de 8 de fevereiro de 1817, de maneira que os Registros dos Julgados são guarnecidos por Tropas de Goiás subordinadas em [ponto] de disciplina ao Comandante das Armas da Província de Minas, como me foi ordenado pela Portaria de 7 de Dezembro de 1824, sendo eu Governador das Armas de Goiás. A Administração Eclesiástica compete ao Bispo desta última Diocese".

Cunha Matos, deu a entender ainda que, mesmo depois do Alvará, considerava o Triângulo como Província de Goiás, eis que, no mesmo volume à pagina 234, descrevendo os rios, diz:

"Rio Paranaíba: Nasce na Serra Geral que divide a Província de Minas Gerais da de Goiás, no ramo denominado Serra do Urubu e sítio chamado Guarda dos Ferreiros.".

Raymundo José da Cunha Mattos faleceu no Rio de Janeiro em 2 de Março de 1889, no pôsto de Marechal de Campo, Vogal do Conselho Supremo Militar. Comendador da Ordem de S. Bento de Aviz, e Oficial do Cruzeiro; sócio fundador e Vice-Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Secretário Perpétuo da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional; Sócio do Instituto Histórico da França e da Sociedade Real Bourbônica e da Academia Real das Ciências de Nápoles (Sacramento Blake, Dicc. Bib. Col. 7. Pág. 112)

Além de muitos outros preciosos trabalhos históricos e geográficos, Cunha Mattos deixou o "Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará, e Maranhão, pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás", dedicado ao Regente do Império Diogo Antônio Feijó, e a preciosa "Carta Corográfica Plana da Província de Goiás e dos Julgados de Araxá e Desemboque da Província de Minas Gerais", publicada em 1836, e que foi em 1875 litografada no Arquivo Militar e em 1861 serviu de base para o Mapa Topográfico de Goiás. E é nesta Carta Corográfica que se vêem bem traçados os limites dos antigos Julgados Goianos com a Capitania de Minas Gerais. Vê-se, também, no "Mapa da Província de Minas Gerais", do Coronel Barão d’Eswege, de 1821, o Triângulo perfeitamente delimitado, além de outros documentos cartográficos ainda no tempo das Capitanias.

Os triangulinos pretendem apresentar ao Congresso Nacional o território do futuro Estado perfeitamente definido histórica e geogràficamente, a fim de que, no caso de Plebiscito, êste se realize nêsse mesmo território definido, ou, no caso de elevar-se o Triângulo a Estado mediante lei especial, esta já possa definí-lo territorialmente.

Em resumo, basta que a lei diga: - "Fica elevado à categoria de Estado o território que constituía os dois Julgados Goianos de Araxá e de Desemboque, objeto do Alvará de 4 de Abril de 1816". O Território, enfim, onde os Capitães Generais, Governadores da Capitania de Goiás, exerceram de fato e de direito as suas jurisdições.

Como se vê, nada foi tão mal feito, injusto e errado. Agora, nem São Paulo, nem Goiás, nem jurisdição mineira — e sim o Estado do Triângulo!

O êrro tremendo foi exatamente o de desligar Goiás de São Paulo, a recém capitania da capitania matriz, que descobriu e povoou seu território e donde recebia todo o seu impulso de progresso, e introduzir no território intermédio uma administração estranha aos seus interêsses regionais. Aí está, hoje, produzindo os mesmos males, êsse desligamento de Goiás de São Paulo. Já foi escrito, por pessoas mais autorizadas de que nóz (sic), que os problemas triangulinos se resumem em pontes no Rio Grande e pontes no Paranaíba: consequentemente, estradas ligando essas pontes. Quem quiser, porém, desagradar ao Govêrno de Belo Horizonte que fale em Pontes no Rio Grande. É por isso que escrevêramos no artigo a que nos referiremos mais adiante:

"Sente-se o Triângulo como uma árvore que cresce torta para Belo Horizonte onde a corrente da dependência administrativa e política a amarra e prende. Anseia cortá-la, para aprumar-se no seu crescimento vertical".

O Govêrno do Belo Horizonte usufrui vultosos rendimentos do Triângulo, sem que tivesse contribuído para que fôssem produzidos.

As três grandes cidades triangulinas, onde, dado o vulto da arrecadação, o Estado de Minas, mantém, em cada uma, duas coletorias — Uberaba, Uberlândia, (esta de maior rendimento) e Araguary — fizeram-se pelas suas posições geográficas. Seu progresso deve-se ao espírito pioneiro e progressistas dos triangulinos e à linha férrea da Cia. Mogiana. Por isso dizem os triangulinos, com tôda razão, que êles, triangulinos, na sua própria terra, com seus próprios esforços e recursos, plantam e moem a cana, e o Govêrno de Belo Horizonte bebe a garapa..."

O Território triangulino tem uma superfície aproximada de 85 a 90 mil quilômetros quadrados, com uma população de cêrca de 800 mil habitantes; não será um grande Estado, tendo em vista as proporções de nossa Pátria, mas com razão estarão satisfeitíssimos com êsse quinhão, porque dificilmente se encontrará, na superfície do planeta que habitamos, área igual que contenha, ao mesmo tempo, os mesmos fatores para o progresso, grandeza e felicidade de um povo. Nêle se contêm os melhores diamantes do mundo, as terras mais férteis do mundo, as melhores águas minerais do mundo e tem ferro, tem níquel, tem apatita esem (sic) dúvida muitas coisas mais ainda desconhecidas, que irão aparecendo com o tempo. Águas abundantes, clima maravilhoso, matas e campos de criação onde já pastam os melhores rebanhos zebuínos do mundo e tudo isso rodeado pelos dois caudalosos rios com grandes cachoeiras num e n’outro, como também nos seus afluentes, com um potencial energético já mais ou menos conhecido, que poderão constatar no referido "Livro Azul", à página 8, e, principalmente, no belo trabalho do ilustre engenheiro, Dr. Lucas Lopes, ex-Secretário da Viação do Estado de Minas Gerais.

Pela explanação histórica acima, conclui-se que não existe nenhum movimento separatista na região triangulina, pela simples razão que nada há a separar de Minas Gerais. Minas Gerais nasceu quando se resolveu separar, de São Paulo, o Distrito de Minas, que pelo Alvará de 2 de dezembro de 1720 passou a constituir a Capitania de Minas Gerais, com govêrno próprio, contida nos limites da Ouvidoria do Rio das Mortes. Posteriormente, quando, também desmembrada de São Paulo, foi, pelo Alvará de 8 de novembro de 1744, criada a Capitania de Goiás, ficou o Triângulo fazendo parte desta nova Capitania, eis que a Provisão de 9 de maio de 1748 a Gomes Freire de Andrade determinava seus limites ao Sul pelo Rio Grande. De 1720 à 1816, durante, portanto, 96 anos, Minas viveu sem o Triângulo que dêsde 1744 era, como se viu, território goiano.

D. João VI, pelo Alvará de 4 de abril, colou o Triângulo à Capitania de Minas, que desde então passou a ficar com êsse nariz postiço, que tanto enfeia a sua fisionomia geográfica. Politicamente, a Minas se incumbira apenas de administrar mais uma parcela do território nacional, e foi nêste sentido que o Alvará disse:

"Dêste Alvará em diante fiquem pertencendo à Capitania de Minas Gerais.."

Isto é, para o efeito jurisdicional, porque o domínio territorial do País, Portugal o manteve sempre pleno e exclusivamente [sem] e dêle sempre dispôs livremente. Tornando-se, portanto, o Triângulo Mineiro como um todo histórico e geográfico, vê-se bem que não é mineiro. Não há, portanto movimento separatista e sim emancipacionista, pois trata-se de descolar o território triangulino do território mineiro, entregar aos seus próprios habitantes a sua jurisdição, de que, são inteiramente capazes, para que assim libertado possa aquêle território progredir no seu sentido próprio. O Govêrno de Belo Horizonte nada tem a reclamar porque nenhum direito tem sôbre o Triângulo. Obtida a autonomia, os triangulinos estão prontos ao acêrto de contas com o seu tutor. Os triangulinos não q (sic) uerem (sic) continuar por mais tempo numa situação que até lhes é humilhante perante seus irmãos da Federação Brasileira, eis que — não sendo mais paulistas nem goianos, e não sendo também mineiros, o que são os triangulinos regionalmente falando? Vejamos o Alvará:

"Hei por bem separar e desanexar da Capitania e Comarca de Goiás os ditos dois Julgados Freguezias de São Domingos do Araxá e Desemboque..."

São, portanto goianos desanexados e mineiros anexados!

Mineiros iguais aos legítimos de sua Capitania, os triangulinos nunca o poderão ser; é uma situação que jamais poderá ser modificada, porque é a História, e a História é uma Fatalidade!

Minas, quando nasceu, nasceu de São Paulo e nasceu semo (sic) Triângulo.

Para que o Triângulo fôsse mineiro, ipso factos mineiros os Triangulinos era preciso que tivesse (sic) nascido no mesmo corpo geográfico de Minas Gerais. Vamos explicar melhor, dentro da nossa História.

Tôda vez que se processaram, no Brasil, êsses desmembramentos, quer das primitivas Capitanias quer das Províncias, quer mesmo dos Estados, como se deu com a criação dos Territórios Federais, foi para se criarem novas unidades autônomas, ou, no último caso, futuras unidades autônomas, nunca para aumentar-se uma unidade em detrimento de outra. Pois, desde os primórdios da colonização, o princípio foi sempre subdividir. Quando o Paraná, por exemplo, foi, pela Lei 704 de 1853, elevado a Província, deixando de ser a 5.ª Comarca de São Paulo, seus naturais passaram a denominar-se Paranaenses, porque tornaram-se autônomos. Os triangulinos, ao ser sua região desanexada de Goiás, não se tornando autônoma e sim anexada a Minas, não poderiam, de modo nenhum, adquirir o nome de mineiros, porque, como dissemos, a região não nasceu nem se formou quando nasceu ou se formou a Capitania de Minas. Os brasileiros iam adquirindo os nomes específicos de suas regiões quando elas se tornavam autônomas. Quando o Triângulo se tornar um Estado, será um Estado nascido de Goiás, porque, deixando de ser paulista, o território goiano foi transformado numa Capitania autônoma e seus habitantes em goianos legítimos.

Nenhuma semelhança existe, por exemplo, entre o movimento emancipacionista do Triângulo com o movimento separatista do Sul de Minas. Ali, sim, foi uma região onde houve um acôrdo na fixação das atuais divisas, o que tanto trabalho deu.

Ao invés de criar obstáculos à formação de novos Estados, deve o Govêrna (sic) Nacional facilitá-la, porque estará de acôrdo com a nossa História e é medida necessária ao progresso do país. De acôrdo com a nossa História, sim: senão vejamos: - Entendeu D. João III, para melhor colonizar o Brasil, de dividí-lo em Capitanias Hereditárias, doando-as aos merecedores de sua confiança que se dispusessem a tão árdua tarefa. "Doze foram os donatários, mas verdadeiramente", escreve Varnhagen na sua "História Geral do Brasil", "quinze os quinhões, visto que os dois irmãos Souza tinham, só para si, cento e oitenta léguas, distribuidas em cinco porções separadas e não em duas inteiriças". Aí está a divisão territorial originária do Brasil. Hoje temos 20 Estados, 4 Territórios e o Distrito Federal. Das doze ou quinze primitivas unidades às atuais vinte e cinco, vê-se que, por um impulso histórico natural e por um princípio que hoje denominamos de sabedoria geopolítica, o Brasil tem se subdividido deverá continuar a subdividir-se, até que as suas unidades administrativas atinjam uma estabilidade perfeita, apoiada nos fatores geográficos e econômicos, tal como se deu nos Estados Unidos da América. Êsse país das treze Colônias originárias e das regiões posteriormente adquiridas, apresenta hoje, no seu território continental menor do que o nosso, 48 Estados e o Distrito Federal de Colúmbia.

A aspiração dos triangulinos, de elevar sua região privilegiada à categoria de Estado, deverá ser atendida pelo Govêrno da República, porque, como se deu nos ditos Estados Unidos da América, subdivisão territorial é progresso e, acima de tudo, união. Maior número de parcelas mais bem aproveitadas econômicamente e mais fracas politicamente, redunda para o todo nacional num maior poderio econômico e mais equilíbrio e união política. Evidentemente, muitos Estados do Sul como o Rio Grande, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, como os pequenos do Norte, já se mostram isentos de quaisquer modificações porque seus territórios já se acham mais ou menos povoados e beneficiados; a influência ou pressão benéfica de suas respectivas Capitais atinge a todos os pontos de suas divisas e seus povos estão satisfeitos. Uma região, porém, como o Triângulo, em situação geográfica diferente da de Minas Gerais, cuja Capital lhe fica a mais de 600 quilômetros, com a qual não é ligado por nenhum interêsse econômico, é um êrro que precisa ser desfeito em benefício dessa região prejudicada, e em benefício do país.

Cogitando-se agora de regulamentar o art. 2.º da Constituição Federal, eis a oportunidade que terão os nossos patrióticos legisladores de estabelecer regras justas, não impedindo a emancipação do Triângulo, pois nos parece que essa preocupação provém de interessados em obstá-la. Já tivemos ocasião de escrever que o espírito do texto constitucional foi exatamente o de permitir que, com o progresso e desenvolvimento do país, ficasse facilitada a constituição de novas unidades administrativas, em melhores condições de atender ao bem de suas populações, corrigindo ao mesmo tempo êsses "nonsens geographiques", como dizem os franceses, que, no Triângulo, anexado ao Estado de Minas Gerais, têm o mais expressivo dos exemplos. Sem dúvida, o assunto é delicado porque não é possível que se comecem a criar Estados a torto e a direito por meros caprichos políticos do momento. Por isso, ao Congresso Nacional compete estudar cada caso que se apresente, decidindo com justiça e em atenção aos superiores interêsses do Brasil. Mas o que não é possível é que se promulgue uma lei que obste a aspirações justas, como a do Triângulo, que, uma vez erigido em Estado, atenderá a ditos interêsses superiores do Brasil. Pretende-se, como presumimos, visando ao Triângulo, onde o movimento dia a dia toma corpo, por um imperativo de seu próprio progresso, interpretar o texto constitucional, no sentido de que, para constituir-se em Estado torna-se mister o consentimento da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

O movimento emancipacionista do Triângulo se baseia em fundamentos históricos, geográficos e econômicos, fôrças essas que atuam ao mesmo tempo, a ponto de já não ser mais possível sustá-lo. Região tutelada por Minas Gerais desde o Alvará histórico, de há muito atingiu a plena maioridade e quer emancipar-se. Tem em excesso tôdas as condições para ser um Estado e quer ser êsse Estado, o que não trará nenhum ônus para o Govêrno Nacional, pois conta êle com recursos bastantes para a sua subsistência política. O Govêrno de Belo Horizonte não vê, porém, com bons olhos, esta pretensão. O tutelado é rico, trabalha, produz, despeja largas somas nos seus cofres sem o menor trabalho para dito Govêrno; por isso, tudo tem fetio (sic) e está disposto a fazer para prejudicar esta pretensão. O caso toma assim, o caráter de uma ação de emancipação, e, neste conflito de interêsses entre duas partes, não é possível ser uma delas ao mesmo tempo parte e juiz. Já tivemos ocasião de escrever sôbre êste mesmo assunto, em artigos no "O Triângulo", de Uberaba, em 1 de agôsto de 1951 e vamos aqui repetir nosso pensamento uma vêz que estamos plenamente convencidos de que não erramos:

"Carlos Maximiliano por exemplo, nos seus Comentários à Constituição de 1891, explanando a interpretação do textos, cita, em nota entre outros, os seguintes velhos preceitos romanos de hermenêutica jurídica: "a) — o legislador não pode ter tido na mente um absurdo", e "g) — não há direito contra direito". Sabido é, também, que a melhor interpretação é a lógica, a que cogita daquilo a que a lei visou — mens legis -, o seu sentido útil. O Brasil, ao transformar-se de Império em República, das Províncias fêz Estados, aos quais os constituintes deram certa autonomia, então julgada necessária para o progresso do país. Desde, porém, a primeira Constituição Republicana, ficaram os Estados bem advertidos de que seus respectivos territórios não seriam de caráter definitivo porque, no seu art. 4.º, aquela Constituição deixou aberta a possibilidade de modificações, na forma como ali expressou. Semelhante dispositivo foi inspirado no n.º I, Seção 3, do art. IV, da Constituição dos Estados Unidos. Houve boa inspiração no intuito visado, má, porém, na forma de realizá-lo, porque deixou-se de lado nossa formação histórica, que nenruma (sic) similitude tem com a do referido país. Os Estados Unidos formaram-se como Nação pelo contrato livre entre as treze colônias inglesas, que, ao federalizar-se abdicaram-se de certos direitos em benefícios da União, reservando-se, porém, alguns em benefício próprio. Tinha-se que respeitar, portanto, êsses direitos reservados. Nós, no Brasil, sempre fomos o mesmo bloco português na América: - Colônia, Reino, Império, República. O fato é que o mesmo dispositivo foi sendo repetido nas Constituições que se sucederam " nas de 1934, 1937 e na atual de 1946. Como estamos em face de um texto constitucional vigorante, não adianta criticá-lo: se o temos que obedecer e é melhor interpretá-lo. Assim, o artigo 2º da atual Constituição estabelece a possibilidade de os Estados: I) Incorporarem-se entre si; II) Subdividirem-se ou desmembrarem-se para: a) anexar-se a outros; b) Formar novos Estados. Aí está o direito — PODE. Aí está a regra: - Não há direito contra direito.

Mas, para que qualquer das hipóteses possa realizar-se, o texto exige condições: - Voto das respectivas Assembléias Legislativas, plebicito (sic) das populações direamente (sic) interessadas, aprovação do Congresso Nacional. Ressalta, desde logo, do princípio de que só o Governo Nacional têm sôbre o seu território a plena soberania, o Imperium, a Pública Potesas, o Dominium Eminens, da qual não abdicou, que só êsse pode decidir sôbre quaisquer modificações, quer externas quer que venham a ocorrer nos diversos Estados. É, portanto, aquela, a terceira condição, a única necessária em qualquer hipótese. Agora, por exemplo, se dois ou mais pequenos Estados resolvem unir-se para formarem um só Estado, o voto das respectivas Assembléias Legislativas é necessário porque não estão em jôgo interesses ou direitos de uns contra outros; a elas cumpre opinar pela conveniência ou não da fusão. Mas, num caso como este da região triangular em que ela quer desmembrar-se do Estado de Minas para obter uma autonomia que julga imprescindivel ao seu próprio bem e ao do Brasil e no qual portanto, há o interesse de uma região contra o interesse de outra, ambas do mesmo Estado, essas partes que se colocam em posição adversa só podem ficar submetidas ao julgamento do Congresso. Este, como Juiz insuspeito, decidirá tendo em vista a Constituição, a Justiça e os interesses superiores da Nação. O legis [legislador constituinte não poderia ter] em mente o absurdo de colocar a solução de uma pendência entre duas partes nas mãos de uma dels (sic). Para que o Triângulo possa ser admitido como um Estado, são necessárias apenas duas condições: que sua população demonstre esse desejo por meio de plebiscito e que o Congresso o aprove. Do contrário seria o mesmo, por exemplo, quando tínhamos a escravidão no Brasil, que se aprovasse uma lei permitindo a libertação do escravo, na dependência do consentimento do seu senhor. Vê-se que, naquele artigo, considramos (sic) a situação do Triângulo genericamente, por isso dissemos desmembramento, etc., mas aqui estamos mostrando também o caso especial de sua história, único no Brasil, nas condições havidas. Não irá haver, portanto, nenehum (sic) desmembramento de Minas Gerais: o nariz é postiço. Julgamos estar certos. Examinando-se o texto da atual Constituição nada há que indique que a expressão mediante possa ser tomada como requisito, e sim deve ser tomada como iniciativa. Se o texto quisesse exigir as três condições concomitantemente, ter-se-ia usado a expressão requisitos, dir-se-ia São Requisitos pois em todos os casos semelhantes é esta a expressão jurídica.

O mediante do texto tem o mesmo significado, por exemplo, de quando se diz: o pagamento pode ser feito mediante vale postal, cheque, ordem de pagamento, etc.; não se vão fazer três ou mais pagamentos para o mesmo fim, e sim ou por meio ou por outro. Só na atual constituição é que o plebiscito foi previsto criando-se um novo direito qual seja o direito do povo na auto-determinação de seu próprio destino, na escolha do que mais lhe convém. O direito inerente ao povo na procura de sua própria felicidade, diria Jefferson. Será o plesbicito (sic), a Assembléia de que carece o povo do Triângulo para externar a sua vontade. Não é preciso que se recorra aos Romanos para dizer da sabedoria do plesbicito (sic), Lei do Povo, superior as emanadas do próprio Senado.

E, como tudo fica sujeito a aprovação do Congresso Nacional, não haverá nenhum mal em conceder-se ao povo de uma região, como o do Triângulo, uma instância para demandar pe (sic) loseu (sic) próprio bem. Que se ouça a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, estamos de acôrdo: que ela dê o seu parecer, alegue o que tenha a alegar, tudo é justo e de direito; mas nunca arvorá-la em Juiz em causa própria com decisão irrecorrível, pois isso repugnaria a consciência de quem quer que seja.

Fala-se em princípio federativo. Esta é uma expressão variável de país para país, modificável pelas circunstâncias do tempo e das necessidades. Conceder-se a um Estado a faculdade de proibir desmembramento de seus territórios é reconhecer-lhe soberania absoluta sôbre êle, uma soberania [superior] a da própria Nação, e isto não é um princípio federativo e sim um princípio confedrativo(sic).

Sria (sic) a modificação complta (sic) da estrutura de nossa própria Constituição Federal ipso facto, do próprio federalismo especial do Brasil, [seria] lançar os germens da [dissolução] da Pátria, atentar contra a sua unidade, que para os brasileiros é uma questão de honra manter através dos tempos, dignos como temos sido, até hoje, dessa herança grandiosa, fruto das lutas e do patriotismo de nossos antepassados. Os Estados Unidos da América, nação que se inspirou inicialmente em princípios confederativos, caminharam com o tempo para uma organização federativa visando exatamente ao que sempre fomos por força de nossa própria formação histórica. Federalismo, lá, era exatamente centralismo, unidade nacional ao contrário do que ocorre entre nós, onde ele constitui fundamento para autonomias regionais. Os Estados Unidos realizaram a sua [grande] tarefa, inspirados na mística do que denominavam Manifest Destiny tornando-se a primeira Nação do mundo. O Federalismo para êles foi o único meio que encontraram para converter as antigas Colônias numa só Nação, e interpretaram-no sempre como consolidador de sua unidade. Essa unidade, naquele País já foi realizada. Hoje já se considera o regime federal de govêrno como colsa (sic) obsoleta. Não aprovemos leis, portanto, que nos impulsionem por um caminho oposto, caminho de nossa própria destruição. O Govêrno Federal não pode de modo nenhum transferir aos Estados a soberania que lhe cabe em princípio sôbre o território nacional. São estes os princípios que devem inspirar o Congresso ao regulamentar o art. 2.º da Constituição, não devendo levar-se em conta exclusivamente o interesse regional de um Estado em prender a si uma região que, nem mesmo históricamente está integrada no seu território.

A constituição do Estado do Triângulo será num bem ou um mal para o Brasil? Se for um bem que que se recuse a admiti-lo. O que se admita como tal, se for um mal cumpre ao Congresso é regulamentar o plebicito (sic), estabelecer como o mesmo se deve processar, para que possam os triangulinos exercer esse direito constitucional. E, se o plesbicito (sic) disser sim, e a Assembléia Mineira disser não, ao Congresso cumprirá decidir em definitivo.

Vejamos como é regulada a matéria no México:

"CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS.

Título Terceiro. Capítulo II. Seção III.

Das Faculdades do Congresso.

73. O Congresso tem faculdade:

I) — Para admitir novos Estados ou Territórios na União Federal;

II) — Para erigir os Territórios em Estados quando tenham uma população de oitenta mil habitantes, e os elementos necessários para prover a sua existência política;

III) — Para formar novos Estados dentro dos limites dos existentes, sendo necessário ao efeito:

1.º - Que a fração ou frações que peçam erigirem-se em Estados, contém (sic) com uma população de cento e vinte mil habitantes pelo menos.

2.º - Que se comprove perante o Congresso que tem os elementos bastantes para prover à sua existência política.

3.º Que sejam ouvidas as Legislaturas dos Estados de cujo território se trate, sôbre e conveniência ou inconveniência da ereção do novo Estado, ficando obrigadas a dar sua informação dentro de seis meses, contados desde o dia em que se lhes remeta a comunicação respectiva.

4.º - Que igualmente se oiça (sic) o Executivo da Federação, o qual enviará sua informação dentro de sete dias, contados desde a data em que o seja pedido.

5.º - Que seja votada a ereção do novo Estado por dois têrços dos deputados e senadores presentes em suas respectivas Câmaras.

6.º - Que a resolução do Congresso seja ratificada pela maioria das Legislaturas dos Estados, prévio exame da cópia do expediente, sempre que hajam dado seu consentimento as Legislaturas dos Estados de cujo território se trate.

7.º - Se as Legislaturas de cujo território se trate não houverem dado seu consentimento, a ratificação de que fala o numero anterior deverá ser feita pelos dois têrços do total das Legislaturas dos demais Estados".

Eis o verdadeiro princípio federativo!

Assim se estivessemos no México, país muito menor do que o Brasil, sem tanta necessidade de subdivisões-territoriais, eis como se processaria a elevação do território triangulino a Estado da Federação. Dirigiriam o (sic) triangulinos uma representação ao Congresso, instruída com as provas de que a região tem uma população superior a 700.000 habitantes, e provariam que, sendo os tributos por êles pagos ao Estado de Minas superiores a 150 milhões de cruzeiros, acham-se em condições mais do que bastantes para prover à sua própria existência política. Recebida essa petição, verificados aquêles dados, o Congresso faria a necessária comunicação à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a qual, dentro de seis meses, estaria obrigada a prestar as devidas informações. Ouvir-se-ia, também, o poder Executivo Federal, que enviaria ao Congresso seu parecer dentro de sete dias, contados da data em que tivesse sido feito o pedido. Em seguida, a admissão do Triângulo como Estado só seria aprovada se recebesse os votos d edois (sic) têrços dos deputados e dois têrços dos senadores. Feita a votação favorável pelo Congresso, teria aquela votação que ser ratificada, ainda, pela maioria das Assembléias Legislativas de todos os Estados brasileiros, às quais se remeteria cópia da decisão do Congresso, isso no caso de ter a Assembléia Mineira dado o seu consentimento. No caso contrário, de haver sido negado tal consentimento, a ratificação sòmente se daria mediante o voto de dois têrços do total de tôdas as Assembléias Legislativas dos Estados da Federação.

Um verdadeiro conselho de família para decidir, com justiça, a contenda entre dois irmãos. A Assembléia Mineira poderia nega ro (sic) seu consentimento, mas teria que dizer porque, e as suas razões seriam apreciadas por tôdas as Assembléias Legislativas Estaduais. Essas ouviriam ambas as partes e decidiram como de direito.

Mas, dentro do princípio federativo mexicano, que deve ser o mesmo a adotar-se no Brasil, e interpretando a nossa Constituição, poderemos ainda regulamentar o assunto de um modo diferente, sem tantas formalidades. Basta que se inclua, entre as faculdades do Congresso a de decidir, mediante lei especial, sôbre a criação de novos territórios, bem como de novos Estados, com a sanção do Presidente da República.

No Congresso estão representados todos os Estados, portanto, todos os brasileiros; daí não ser necessária a ratificação por outras Assembléias.

Que se disponha, também, sobre quais s (sic) requisitos, necessários, e se ouçam, os Governos Estaduais diretamente interessados. Que se colham, conforme o caso, pareceres do Conselho da Defesa Nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e de outros órgãos técnicos governamentais; que se disponha, ainda, que o Congresso poderá submeter as populações interessadas a um plebiscito — tudo isso é justo e aceitável. Que se venha a exigir condições rigorosas, os triangulinos nada têm a temer, já que o Triângulo é, hoje, um verdadeiro Estado anexado ao Estado de Minas Gerais. Os mineiros que habitam o Triângulo são quase todos solidários com a causa, dos triangulinos, porque sentem a justiça da sua reivindicação, e tudo, conforme o slogar (sic), é o Brasil. Vamos transcrever, ainda, o que escrevêramos no artigo a que nos referimos:

"E como os mineiros sempre se orgulharam de suas tradições de brasilidade, do seu bom senso, dos seus sentimentos de justiça, muitos deles sem dúvida, votarão a nosso favor". Temos ainda a mesma certeza de que votarão. Minas terá mais um motivo de orgulhar-se como povo que cultua a memória de Tiradentes. A oposição partirá apenas de alguns espíritos egoístas, porque os mineiros são altruístas na sua grande maioria.

Deixando de parte a amizade, por tratar-se de interêsses sagrados, os triangulinos nunca concordarão em pedir consentimento ao Govêrno de Belo Horizonte para se emanciparem, pela simples razão de não reconhecerem a êsse Govêrno nenhum direito sôbre o Triângulo. E não recebem êsse direito porque não se dirigiram aos governos regionais de então, quando pediram que houvesse por bem decretar a transferência de jurisdição de seu território. Pediram-no a D. João VI, Rei do Brasil. Querem pedi-lo, hoje, ao Congresso Nacional e ao Presidente da República, legítimos sucessores daquele primitivo poder real. O Alvará de 4 de abril de 1816 é o documento fundamental da emancipação do Triângulo, e examinemo-lo novamente:

"... e representando-me os povos da Campanha do Araxá, que compreende os dois Julgados de São Domingos e Desemboque, os grandes incômodos qu esuportam (sic) em viverem sujeitos à Capitania e Comarca de Goiás, cuja Capital lhes fica em distância de mais de cento e cinqüenta léguas, sendo-lhes muito penosos os recursos que freqüentemente necessitam ... e querendo eu evitar-lhes tão penosos inconvenientes e promover as comodidades daqueles povos ... hei por bem separar e desanexar da Capitania e Comarca de Goiás ..."

O Govêrno de Belo Horizonte tem-se mostrado desconhecedor dêsse Alvará, sabendo muito bem que êle é o documento tremendo que aponta os direitos triangulinos e justifica, de persi, a emancipação que pretendem. A História continua: - se, há 136 anos passados, a então insignificante população triangulina, concentrada em dois pequenos arraiais, Desemboque (elevado a Julgado em 2 de março de 1766) e Araxá (elevado em 20 de dezembro de 1811), achava melhor ficar submetida às justiças da recém-criada comarca de Paracatú, hoje a situação do Triângulo é completamente diferente, em tudo e por tudo. Eram, então, dois núcleos de população nas proximidades da Capitania de Minas Gerais; todo o Triângulo, por dentro, era o Sertão da Farinha Pôdre, desabitado, cheio de tribos indígenas, a terra dos valentes Caiapós, índios que tanto trabalho davam aos que procuravam penetrar na região, cortada apenas pelos caminhos de penetração de São Paulo a Goiás. Hoje, nêsse território, erguem-se cidades populosas, que apresentam uma civilização impressionante, malgrado, sentimos dizê-lo, tudo quanto tem feito o Govêrno de Belo Horizonte para travar o progresso do Triângulo no seu sentido próprio. De há muito, portanto, o motivo originário cessou. É tempo, agora, e oportuno o momento, de êsses mesmos povos da Campanha do Araxá, hoje chamados triangulinos, dirigirem a segunda representação ao Govêrno da República, alegando não mais justificar-se a permanência da anexação feita naquele tempo. Se, naquele tempo, não estavam em condições de constituir-se em Capitania, hoje, ninguém o ousará negar, estão em condições de constituir-se em Estado.

O Direito é o mesmo, e está de pé. Tôdas as nossas constituições republicanas tem declarado que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (parágrafo 3.º do art. 141 da Constituição atual) — O povo triangulino mantém ainda o direito adquirido de decidir sôbre o seu destino dentro do Brasil: a primeira representação dá direito a segunda, maiores incômodos sofre êle hoje do que naquele tempo, e, se a anexação foi feita para evitar aquêles incômodos citados no Alvará de D. João VI, a emancipação deverá ser feita para evitar incômodos maiores.

Dirão alguns: A República passou uma esponja nessas coisas do passado ao transformar as Províncias em Estados. Dirão os triangulinos: as Províncias originaram-se das Capitanias; a Capitania de Minas Gerais não ia além das cabeceiras do Rio São Francisco; o Triângulo, pelo Alvará, foi agregado a essa Capitania, mas nela não se integrou, apenas ficou sob sua jurisdição, o que é coisa diferente; continuou no Império, anexado à Província de Minas, e continuou na República anexado ao Estado de Minas; nunca foi Capitania de Minas, nunca foi Província de Minas, nunca foi, não é, nem poderá ser Estado de Minas!

Não se argumente com a tese de que êsses fatos históricos são águas passadas ... Tal argumento seria imediatamente juntado aos autos da pendente questão de limites de Minas Gerais com Espírito Santo, onde se pesquisam, sobretudo, razões históricas da zona litigiosa.

Cumpre-nos dizer, ainda, que no rigor histórico, não sendo o Triângulo atualmente nem paulista, nem goiano, nem mineiro, mas unicamente brasileiro, é, afinal de contas, um Território sui generis que ao invés de ser administrado pelo Govêrno da República, continua sendo-o pelo Govêrno de Belo Horizonte, numa aberração do nosso Direito Constitucional que é mister corrigir. E se a situação do Triângulo equivale à dos Territórios Federais, o processo de sua elevação à categoria de Estado, deveria ser o mesmo indicado para ditos Territórios, e não, pela forma do art. 2.º da Constituição, que regula desmembramentos e incorporações de Estados e não de regiões brasileiras anexadas a Estados (Vide Alvará).

Diz o art. 3.º da nossa Carta Magna: "Os Territórios poderão, mediante lei especial, constituir-se em Estados ..." Logo, o Triângulo poderá, mediante lei especial, constituir-se em Estado. Reza, ainda, o art. 9.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "O Território do Acre será elevado à categoria de Estado com a determinação de Estado do Acre, logo que as suas rendas se tornem iguais às do Estado atualmente de menor arrecadação". Entre outros exemplos, pode citar-se imediatamente o do Estado de Goiás, que é o Estado de maior futuro do Brasil e a região de maior futuro do mundo mas que, atualmente, com uma população não muito superior à do Triângulo, não arrecada o que a (sic) Coletorias estaduais de Minas, no Triângulo, mandam para Belo Horizonte. Dados de 1951 indicam uma arrecadação estadual, no Triângulo, de mais de 150 milhões de cruzeiros, e com essas recentes tributações — que, diga-se de passagem, tanto barulho já vem causando — se elevará a cêrca de 200 milhões de cruzeiros. Goiás, por dados também, recentes e do nosso conhecimento, atingiu em 1951 apenas 136 milhões de cruzeiros. É argumento última ratio. Se Goiás, co messas (sic) rendas, mantém todos os seus serviços públicos estaduais, tem seu Tribunal de Justiça, sua Fôrça Pública, sua Assembléia e pôde construir sua magnífica Capital, etc. etc... claro está que o Triângulo, com uma arrecadação maior, uma vez constituído em Estado, sem vir a onerar em um centavo a sua população, e a ocontrário (sic) podendo cortar taxas inúteis e prejudiciais à liberdade do seu comércio, poderá manter êsses mesmos serviços públicos. A lei que criar o Estado do Triângulo será uma Lei "Sêca", não precisando de nenhuma verba, isto é, "sem veneno na cauda" como diriam os Romanos ... O Triângulo vive e viverá por si. Interessa ao Govêrno Nacional essa emancipação, porque, no momento em que ela se der, acontecerá o que os Americanos denominam de "boom", isto é, o crescimento vertiginoso de uma cidade ou de uma região. Conseqüentemente, pelo próprio progresso do novo Estado, será maior a arrecadação federal, sem modificações de tributos, nem novos ônus para os triangulinos. Os triangulinos nunca se queixaram do Govêrno Federal. Êste tem sido, pelo contrário, um bom pai, proporcionando-lhes maiores verbas e auxílios outros, apesar de arrecadar muito menos do que o Estado de Minas. Tira menos, o Govêrno Federal, e dá mais o que se poderá verificar facilmente. As instituições de caráter federal muito têm auxiliado o Triângulo, o que não ocorre por parte do Estado. Quando o Estado faz de maior vulto, é sempre para si (Estância de Araxá, Cachoeira Pai Joaquim, etc. etc.,) fazendo negócios vantajosos com as riquezas naturais do Triângulo, mantendo-as prêsas em suas mãos, com o evidente intuito de tornar os triangulinos cada vez mais dependentes do contrôle do govêrno Estadual. Têm, os triangulinos, sérias queixas a fazer contra seu tutor; fiquem estas, porém, para o momento em que o caso fôr discutido pelo Congresso. Aproximando-se do fim dêste Memorial, perguntamos: que direito tem o Govêrno de Belo Horizonte de obstar à emancipação do Triângulo? Que direito tem de não permitir que se toque no seu território, isso admitindo-se que o Triângulo fôsse realmente território seu?

Todos, no Brasil, têm passado pelos mesmos transes. Vejamos ràpidamente: Alagoas e Ceará, originados de Pernambuco; Sergipe, da Bahia; Maranhão, subdividindo-se em Maranhão e Grão Pará; Amazonas, deixando o Pará; Minas, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, deixando São Paulo. Se Minas teve o direito de erigir-se em unidade autônoma, progrediu, construiu sua bela Capital, etc. etc., por que o Triângulo não pode também ter sua Capital, seu Tribunal, sua Assembléia, sua Fôrça Pública, sua Universidade, etc. etc., se pode fazê-lo sem sacrificar a ninguém, empregando apenas o dinheiro que rende o seu próprio território?

Não. Sob qualquer ponto de vista, torna-se evidente que só mesmo uma incompreensão egoística poderá ser um obstáculo à criação do Estado do Triângulo. Terminamos assim, ainda e sempre, com o Alvará do D. João VI nas mãos. A elevação do Triângulo a Estado será o justo e merecido prêmio que o Govêrno da República irá conceder ao seu povo, a êsse mesmo povo ou povos que D. João VI fez questão de mencionar expressamente na carta Réger (sic) de 4 de abril, e "que pela sua indústria e digna aplicação à lavoura, se fazem dignos de minha real contemplação". Pela Lavoura, pela Indústria, pelo Comércio, pela Pecuária, pela Artes e pelas Ciências, e por tôdas as grandiosas realizações que aí estão à vista de todos, pela sua contribuição, enfim, tão valiosa para o progresso do Brasil, muito mais digno é hoje êsse mesmo povo triangulino da contemplação do Govêrno Brasileiro. Diz ainda o Alvará:

... ficando também mais desembaraçados e prontos para a se empregarem no Meu Real Serviço..."

Mais desembaraçados e prontos estarão os triângulos a serviço do Brasil, na paz empunhando as ferramentas do trabalho, e na guerra ao lado de seus irmãos, empunhando armas na defensão (sic) da Pátria comum.

Isto, caro Mário é o que tinha a te escrever. Faça-o, apressadamente, sem me preocupar com boa redação e outros destalhes (sic). Servirá, esta minha modesta contribuição, para ajudar a orientar-te na grande luta que empreendes no Congresso, para onde te levaram os votos de tantos triangulinos confiantes no teu patriotismo e no teu entranhado ideal emancipacionista. A memorável campanha que fizeste, em tôdas as nossas cidades os triangulinos a acolheram bem. Confiaram em ti e te elegeram.

Franquearam-te a mais alta tribuna do país. Usa-a, pois, para transmitir aos brasileiros de tôda a nossa imensa e generosa Pátria os anseios dos teus companheiros do Triângulo. Defende oes (sic) seus direitos contando à Nação a sua História, tornando-te o porta-voz das suas mais sentidas aspirações.

Contarás, certamente, com a generosa solidariedade dos parlamentares brasileiros, inspirados todos nos supremos ideais de Ordem e de Progresso inscritos, para nossa Honra e Glória, [na] nossa gloriosa bandeira.

Cordialmente teu — Felex".

Senhor Presidente, Senhores Deputados:

Aqui estamos, mais uma vez, para interpretar os anseios de desenvolvimento econômico, de auto-realização, e de auto-afirmação social e política de brasileiros dignos dêsse nome e que compõem a população do Triângulo.

Sobram-nos razões, para que palpitem, em nossos corações, êsses anseios.

Esperamos que o Congresso Nacional nos ouça. Que nos permita o direito de exteriorizarmos as nossas aspirações por intermédio de um plebiscito, de acôrdo com o que nos faculta a Constituição Federal vigente. Que o resultado dêsse pronunciamento seja amplamente revelado à Nação. E que está, sòmente esta, por intermédio dos seus altos poderes constitucionais, decida, com serenidade e Justiça, sôbre os destinos de mais de 800.000 brasileiros que desejam se emancipar politicamente para poder melhor servir ao Brasil.

Era o que tinha a dizer.

(Muito bem: muito bem. Palmas)


DIÁRIO do Congresso Nacional. Sessão: 4/6/52. Publicação: 5/6/52. Assunto: Fazendo considerações em torno da "Carta Aberta" ao povo do Triângulo Mineiro. p. 4746. Coluna: 4.