O
afeto de Don Mário
Mauro
Santayanna
Mário
Palmério devia ter feito sua a divisa
do poeta latino Terêncio: nada que se
refere ao homem lhe foi estranho. Poucos de
seus contemporâneos viveram tanto como
ele viveu, porque Mário soube dividir
seu tempo entre aprender e ensinar, entre ouvir
e escrever, sem que se descuidasse de sua cidadania
ativa, como militante político, deputado
federal e embaixador do Brasil no Paraguai.
Agostinho da Silva, a quem a universidade brasileira
deve muito, ensinava que o homem não
nasceu para trabalhar, nasceu para criar. Mário
fez de sua vida ato permanente de criação.
Começou criando escolas, para depois
criar seus vigorosos cavaleiros do chapadão,
seus heróis modestos, seus bichos sabedores.
Representando o Brasil em Assunção,
em tempo de ásperas transições
(e que tempos não são ásperos?)
Mário compreendeu que não se entende
um povo sem entender sua alma. O bom diplomata
é aquele que fala bem a língua
do país em que trabalha.
Se os paraguaios usam o espanhol para a razão,
usam o guarani e, por extensão, a guarânia,
para o afeto. Mário tratou logo de conhecer
os sintagmas da guarânia e, com eles,
falar aos vizinhos.
Tive o privilégio de acompanhar de perto
os passos de Mário Palmério em
Assunção. Percorremos, algumas
vezes na doce companhia de Lívio Abramo,
as noites quentes da cidade ribeirinha. De tal
maneira ela o aceitou que nenhum outro diplomata
estrangeiro naquele tempo foi tão conhecido
quanto Mário. Não porque fosse
o embaixador do Paraguai, mas por ser Don
Mário, com seus ternos brancos
de linho, sua gravata borboleta, sua permanente
disponibilidade para ouvir as pessoas simples
do povo e as transformar, imediatamente, em
amigos.
Do governo brasileiro, Mário levara ao
governo paraguaio suas cartas credenciais. Mas,
do povo brasileiro ao povo paraguaio, o fundador
da Universidade
de Uberaba levou a Assunção
o recado credenciador dos vaqueiros, dos barranqueiros,
dos andarilhos. Esse recado ele o traduziu na
sedutora linguagem de Saudade.
É
bom que, nos cinqüenta anos da Universidade
de Uberaba, o fundador seja lembrado com esta
aula de diplomacia e de sentimentos: os versos
e os acordes de sua guarânia.
Texto retirado do encarte do CD "Noche
de Asunción"
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