"A
língua do povo não está
nos dicionários"
Mário
Palmério estudou a linguagem popular
e criou um glossário próprio
para valorizar a riqueza do vocabulário
sertanejo
Erileine
Rodrigues
Therani Garcia
Jeitosa,
prainha, traste, gozado, cacunda, risadona.
Essas são algumas das palavras
que fazem parte do vasto glossário
criado por Mário Palmério
para dar significado aos termos utilizados
em seus livros. A criação
de um glossário próprio
surgiu da preocupação do
escritor em registrar com legitimidade
a riqueza da linguagem popular: "A
lingua do povo não está
nos dicionários", explicava
Mário Palmério todas as
vezes que era questionado sobre o glossário.
"Só
o nó de porco para dar aquela graça
à espiralzinha caroquenta que vestia
os dois palmos da ponta do bambu
"
Quem lê essa frase de Vila dos
Confins não imagina que o nó
de porco quer dizer um nó apertado,
muito utilizado na lida com o gado. São
construções como esta que
o escritor usa em seus livros e faz com
que o texto fique mais autêntico.
Segundo
o próprio autor, Vila dos Confins,
o seu primeiro livro, nasceu relatório,
cresceu crônica e acabou em romance.
A história foi assim: Mário
Palmério viajou pela região
fazendo relatórios sobre as fraudes
políticas que na época eram
constantes. Esses relatórios chegaram
até as mãos da amiga escritora
Rachel de Queiroz, que gostou muito e
os mandou para a editora José Olimpio.
Nasceu então o primeiro romance
de Mário Palmério.
"É
uma reportagem sobre a minha experiência
eleitoral, sintetizada numa pequena cidade
que eu chamei de Vila do Confins,
onde ocorrem os acontecimentos reais de
umas dez cidadezinhas. Os personagens
são sempre os mesmos: há
sempre um Dr. Paulo (deputado), sempre
há um mascate, o Xixi Piriá.
O cabo eleitoral é sempre um Pé
de Meia, o turco da venda é sempre
um Jorge Turco, e o coronel
é sempre um Chico Belo", explicou
Mário em uma das dezenas de entrevistas
publicadas na imprensa na década
de 50, e que hoje estão preservadas
no centro de documentação
do Memorial Mário Palmério..
Durante
todo o enredo de Vila dos Confins, o escritor
transmite sua vivência política
e brinca com a linguagem regionalista:
"Profundas, as águas naquele
ponto-morto: sumidouro ocado pelo puar
eterno do redemoinho, traiçoeiro
remanso de lento regirar de espuma; mas
o melhor ponto do rio para a pesca dos
grandes peixes de couro".
Ao
consultarmos o glossário de Palmério,
encontramos palavras do nosso cotidiano
que têm significados diferentes
do que imaginamos. Como exemplo, a
palavra bacuri que pode significar criança
pequena ou peixe, mas, no glossário,
está definida como um tipo de palmeira
encontrada em terras férteis.
Há
também a palavra bicha, que utilizamos
no nosso dia-a-dia com um sentido pejorativo
e que para Mário é simplesmente
o feminino de bicho: "Bem no meio
da noite foi que a bicha saltou
e
caiu sobre o jumento!"
No
glossário descobrimos também
palavras que soam totalmente desconhecidas
para as atuais gerações
urbanas, dentre elas, mareta: "Suaves,
vinham chapinhar no lombo da canoa as
maretas do rebojo". O autor dá
a definição para esta palavra.
Segundo seu glossário, trata-se
de uma pequenina ondulação
superficial na água ondinhas
que se formam quando, por exemplo, jogamos
uma pedra em um rio.
Para
o autor, a dedicação em
construir um glossário era mais
do que um trabalho: fazia parte do seu
cotidiano como escritor, sendo por isso
uma satisfação essa forma
de passar para o papel a linguagem legitimamente
popular que fazia e faz parte do nosso
cotidiano. Além disso, trata-se
de uma opção política
de valorizar a língua popular,
denunciando o fato de que o vocabulário
autêntico e as expressões
populares do sertanejo são rejeitados
pelos dicionários de elite.
Glossário
Palmeriano
Confira alguns
exemplos do glossário elaborado
pelo próprio escritor
Abrição
Ato de abrir
Arejo - Doença que
dá no gado e na tropa
Arejar - Adoecer de arejo
Cacunda
- Costas
Chilena - Espora
Croca
Espécie de meio
nó que costuma apresentar-se
nos fios de aço, quando torcidos
sobre si mesmo.
Daí
Usadíssimo como
"então".
Desguaritar
perder-se.
Escumarada
Espumarada, sujeira boiante
que se acumulam nos rebojos e margens
paradas do rio.
Estar
no papo Estar garantido,
obter, alcançar.
Jaguarana
Nome indígena
de onça brasileira.
Poita
Âncora rústica,
improvisada com uma pedra amarrada
a uma cedra comprida, descida até
o fundo do rio.
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Glossário
palmeriano
(texto
na íntegra)
Consulte
a listagem de vocábulos que
o próprio autor pesquisou
para a melhor compreensão
de sua obra literária
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