Uberaba
rumo à universidade!
Universidade
Federal do Triângulo Mineiro permaneceu
um sonho por meio século
André
Azevedo da Fonseca
Clique
no jornal para ampliá-lo. (1,1 Mb) |
No
dia 1º de abril de 1954, uma manchete triunfal
no Lavoura e Comércio o
jornal de maior circulação e tiragem
do Triângulo Mineiro, segundo o próprio
anunciava, em letras garrafais, um assunto
de "palpitante interesse" para toda a cidade:
"Rumo à universidade", era
o tema da entrevista exclusiva com o deputado
Mário Palmério, (PTB) prestes
a conceder ao repórter uma "magnífica
e alentadora exposição" sobre
a recente autorização federal
para o funcionamento da Faculdade de Medicina
do Triângulo Mineiro. Publicada no dia
da mentira, o fato é que esses prognósticos
entusiasmados demoraram meio século para
se tornarem verdade. Somente em 29 de julho
de 2005, a exatos 51 anos e quatro meses da
publicação da entrevista, o sonho
de uma universidade pública federal em
Uberaba se tornaria fato.
Mas
a convicção eufórica daquela
manchete não dava chance para ceticismos:
"Faculdade de Medicina". E, se levarmos
em consideração as circunstâncias
da época, compreenderemos que não
havia mesmo motivos para ser cético.
O funcionamento de uma faculdade federal em
uma cidade interiorana com pouco mais de 70
mil habitantes, onde quase 40% ainda moravam
em área rural, sem dúvida foi
um feito e tanto. Naquela época, já
funcionavam em Uberaba as Faculdades privadas
de Odontologia (1947) e de Direito (1951), fundadas
pelo próprio Mário Palmério;
e as Faculdades Integradas São Tomás
de Aquino (1948), das Irmãs Dominicanas.
Mas a simples perspectiva de uma universidade
federal pública tornava-se um sonho quase
palpável de um novo salto na história
da educação da cidade!
Assim,
o Lavoura & Comércio dava
apenas a sua contribuição para
essa legítima animação
ufanista. Analisemos a capa do jornal. Em uma
das fotografias, ocupando três colunas,
o sorridente deputado federal observa, no alto
de seus 1,81 metro de altura, o pequeno Getúlio
Vargas fazendo pose, como se estivesse a assinar,
naquele exato momento, o decreto de autorização
do funcionamento. Uma glória! Em uma
outra foto, o então governador de Minas
Gerais, Juscelino Kubitschek, de um perfil complacente,
como que concordando com Palmério e Vargas,
era tratado pela legenda como "o grande incentivador
da Faculdade de Medicina". Mesmo tendo em conta
que o jornalismo provinciano daquela época
sempre esbanjava elogios excitados quando se
referiam a fatos dessa natureza, e observando
também que o redator Ruy Novais era amigo
do deputado, não vamos negar: eis uma
capa de jornal histórica!
Na
"jubilosa" entrevista, o "ilustre parlamentar"
conta como JK, Lauro Fontoura, Mozart Furtado
e todos os demais fundadores haviam trabalhado
para conseguir a convocação extraordinária
do Conselho Nacional de Educação;
para conquistar o apoio de Jurandyr Lodi
o diretor de Ensino Superior do Ministério
da Educação, e de Antônio
Balbino o Ministro da Educação,
que por sua vez encaminhara "com a máxima
urgência" o decreto de autorização
que acabou assinado por Vargas na noite de 23
de março de 1954.
Palmério
contou também que Kubitschek autorizara
a doação de "vinte milhões
de cruzeiros", em apólices estaduais,
além da cessão do edifício
da extinta penitenciária para o funcionamento
da faculdade. Devido à rapidez do processo,
a nova instituição iria funcionar
provisoriamente na sede da
faculdade de Odontologia, cujas instalações
permitiriam o armazenamento do material especializado
e também o início imediato das
atividades das primeiras turmas, até
que o edifício reformado passasse a sediá-la
definitivamente. Mozart Furtado estava trabalhando
para que, logo após os exames de habilitação,
tudo estivesse pronto para as aulas.
Para disputar as 50 vagas existentes, estão
chegando na cidade numerosos candidatos oriundos
dos vários Estados. Acreditamos que cerca
de 300 estudantes se inscreverão nos
vestibulares, o que permitirá rigorosa
e necessária seleção.
Palmério
informou que a Santa Casa de Misericórdia
fechara um convênio para que a nova faculdade
fizesse uso de suas clínicas e enfermarias.
O Hospital da Criança e o Serviço
de Assistência Médica Domiciliar
de Urgência (SAMDU) também prometeram
apoio. Além disso, a Associação
de Combate ao Câncer do Brasil Central,
presidida por Hélio Angotti, oferecera
os serviços de clínica, cirurgia,
anatomia patológica e radioterapia para
contribuir no que o deputado esperava que fosse
"o maior estabelecimento, do gênero, de
todo o interior do país".
A
despeito do enorme destaque que a edição
amigável do jornal conferia à
sua figura, Mário Palmério evitou
um discurso personalista (tão comum no
modus operandi do PTB) e, talvez também
porque no momento da entrevista estava na companhia
de Hélio Angotti e outros amigos, não
deixou de reivindicar a paternidade coletiva
daquela empreitada:
A ninguém, isoladamente, se deve atribuir
o sucesso do empreendimento; governo, classe
médica, professores, todo o povo, enfim,
pode se atribuir às honras do cometimento,
indiscutivelmente a mais notável e arrojada
demonstração de espírito
púbico aqui verificada.
Não
deixemos de observar que, em abril de 1954,
estávamos a poucos meses do período
da campanha eleitoral, na qual Mário
Palmério seria reeleito, na votação
do dia 3 de outubro, para o cargo de deputado
federal. Evidentemente, aquela fotografia de
capa e aquela entusiasmada entrevista, naquelas
circunstâncias, conferiam ao deputado
um prestígio político muito favorável.
Mas
os anos do período chamado "experiência
democrática" (1946-1964) de fato foram
tempos de intensas transformações.
Sem dúvida, os projetos que almejavam
construir uma nação moderna e
soberana muitas vezes acalentavam entusiasmos
e inspiravam sonhos excessivamente afoitos.
Mas se em retrospectiva podemos ser críticos
a muitas daquelas idealizações,
é importante também verificar
que foram justamente aqueles sonhos difusos
que ergueram os fundamentos que se solidificaram
em instituições muito concretas
no século 21, como a respeitada Universidade
Federal do Triângulo Mineiro
um patrimônio histórico de Uberaba
que não brotou da noite para o dia, mas
é um fruto amadurecido de um sonho plantado
há meio século.
|