SÁLUA CECÍLIO
33 ANOS DE UNIUBE
Num misto de emoção e alegria, torno públicas a gratidão e a satisfação de chegar até esse momento. Só posso dizer: a UNIUBE foi a grande escola. Seu papel único: formar e plasmar aqueles que nela atuam, na proporção de seus esforços, acertos, concessões e investimentos.
Sonhos, projetos, investimentos. É isso que pude realizar desde 1971, ao ingressar na então FIUBE, hoje UNIUBE. Percorri um caminho, construí uma carreira e moldei-me como pessoa e como profissional. Por um lado, tive o privilégio da oportunidade de trabalhar em consonância com uma formação e uma vocação, desde a escola normal e depois na Faculdade de Filosofia Santo Tomás de Aquino (FAFI) em Uberaba-MG, bem direcionadas e assumidas em todos os seus requisitos, propósitos e procedimentos. Desde então pude experimentar a importância da coerência entre planejamento e prática, objetivos, conteúdos e métodos. Pude consolidar, no espaço da escola, especialmente no ensino superior, um projeto humanista e social de participação e compromisso com a sociedade e com a história, que defendia serem necessárias e possíveis. Pude transformar em ato a potência que em mim se estruturava cada vez mais. Pude confrontar valores, exercer escolhas, enfrentar desafios. Pude conciliar autonomia e adequação às exigências institucionais, pude consolidar e expandir a prática e a concepção do que aprendi ser professora, do que compreendi significar a profissão docente.
De recém-formada e bastante jovem, pela sala de aula e nela, fui me construindo pessoa, pela aprendizagem permanente do ofício de mestre. Trazia para minha própria formação a experiência da sociabilidade continuadamente fortalecida, pelos estudos, pelo convívio com os alunos, com os colegas professores e com os gestores da instituição. Não de modo fácil, aos moldes de uma receita que se segue, mas com lutas internas, perseverança e paciência, aprendi na sala de aula e pela docência, a desenvolver o autocontrole, a escuta e o diálogo. Creio que aprendi a hora de calar e de falar. Aprendi a propor, a negociar e a exigir. Aprendi o significado de exercer a autoridade, a dosá-la, a mantê-la e até recuar quando necessário fosse, porém sempre em coerência com os meus princípios e valores; com a clareza sobre quando dizer sim e quando dizer não.
Aprendi que para poder dizer não, é preciso dizer sim, independentemente do número de vezes, em que isso se mostre necessário. Em uma palavra: para poder dizer um não, é preciso ter plantado muito, ter arado a terra, ter lançado as sementes, cuidado das árvores e de seus frutos. Aprendi que para crescer e profissionalizar-se é preciso saber recolher as pedras do caminho, é preciso separar “o joio do trigo”, é preciso armazenar confiança, estruturar relações de transparência e mostrar coerência no que se faz. Afinal não há uma só ação, por mais casual que seja, descolada de um projeto historicamente construído.
Estar na UNIUBE foi uma experiência impar de heteroformação e de autoformação. Desde muito cedo, em um tempo em que as oportunidades eram mais restritas, foi uma vitória poder concluir um curso superior e tão logo ingressar na carreira docente, muitas vezes, pelas portas do autodidatismo mesclado à formação essencial e substantiva dos bancos escolares. Cada curso e cada disciplina representavam um desafio à aprendizagem e aos estudos cotidianos, às revisões e às mudanças de trajetos, às correções de rotas. Não dava para permanecer só com o aprendido. Era preciso continuar aprendendo, para poder permanecer. E assim, foi a luta. Estudar, ensinar. Ensinar e aprender. Pesquisar e ensinar. Paralelas do caminho, que se transformaram em condição de sobrevivência profissional, frequentemente permeada por conflitos, dificuldades, percalços e resistências. Profissionalizar-se é qualificar-se para o enfrentamento e a ação.
E o tempo passou e um pouco de nós mesmos foi ficando pelo caminho que abrimos, nas sementes que lançamos, nas árvores que cresceram e nas lições que extraímos e deixamos ao longo de horas, dias, semanas, meses, anos, décadas que mais que um tempo de trabalho, se constituíram minha vida e minha história. Com e pelo nós, o eu se constituiu. Minha vida se fez a partir das trocas que estabeleci. Na interação com o outro, pude me descobrir e me definir. Pude me constituir enquanto ajudava a constituir o outro.
Obrigada aos que me permitiram esta história, obrigada a cada um dos alunos que me acolheram como professora, obrigada aos colegas, obrigada aos amigos com os quais compartilhei experiências, projetos, realizações e frustrações. Vocês foram imprescindíveis para que eu chegasse e permanecesse no caminho.
Nestes 65 anos de UNIUBE, me regozijo com as marcas de um tempo e dos horizontes abertos ao longo dele. Vi a UNIUBE crescer. Cresci com ela. Vi a UNIUBE se expandir, me expandi com ela, e nela trabalhei pela sua expansão. Nela vivi mais de 2/3 de minha vida. Nela plantei meus sonhos e minhas utopias. Nela me fiz pessoa. Nela aprendi a lição da perseverança, da ascese e do exercício da docência como vocação. Nela respondi ao chamado da responsabilidade com a história que queremos. Aprendi que trabalhar na UNIUBE me fez forte e ao mesmo tempo me fez sensível. Forte para resistir e enfrentar a pressão das normas, da burocracia que nos enjaula e das rotinas que podem matar nossas ilusões. Mas, aprendi a importância do outro como fundamental para o fortalecimento do meu senso de realidade. Aprendi com o outro muito do que sou.
Obrigada à UNIUBE. Não apenas à UNIUBE que me deu emprego. Mas, à UNIUBE que me ofereceu trabalho e me permitiu, pelo laboratório da sala de aula, transformar-me enquanto transformava o outro. A esta instituição, na pessoa de todos que a constituem e nela atuam, obrigada. É com uma mescla de emoção, sensação do dever cumprido, e acima de tudo pela possibilidade e quase certeza de ter permanecido fiel aos princípios que defendi, com a clareza dos limites entre o negociável e inegociável, que chego até aqui. A irreversibilidade do tempo nos impõe a autoanálise, antes de qualquer outro processo.
É um momento de necessária parada, para rever e aquilatar o que se fez, ponderando sobre o quanto de equilíbrio entre o necessário e o produzido se alcançou. Isso pode favorecer a qualidade e o teor do que foi feito. Pode ancorar a análise do realizado, para além do simples cumprimento de uma obrigação e da execução de tarefas decididas por outrem e que, muito em função disso, nos afasta de nós mesmos. É como se estivéssemos limpando nossa casa, e nela adentrando para compartilhar a culminância de uma trajetória que construímos, ao mesmo tempo, que por ela fomos construídos, apesar de tudo e de muitos.
Obrigada a Deus que me deu as forças necessárias, e na dose certa, para persistir, mesmo que as dificuldades e outros fatores agissem em sentido contrário à minha permanência.
Obrigada à minha família que soube incentivar e respeitar meus projetos.
Obrigada às pessoas que pelo seu trabalho e pela sua singularidade fazem dessa instituição o que ela é: espaço de formação profissional, cidadania e de transformação individual e coletiva.
É o que tenho a dizer.
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